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terça-feira, 1 de maio de 2018


Arábia Saudita e Israel: uma perigosa aliança terrorista

Em Março de 2012, vai para cinco anos e meio, escrevi um artigo no qual tentava desmontar uma ideia enganosa que punha e põe o centro do conflito do Médio Oriente num lugar em que não está. Tinha-se cumprido um ano do início da chamada “primavera árabe” e haviam transcorrido apenas uns meses desde o atroz assassinato de Muamar El Kadafi e a guerra na Síra mal começava.
Aí dizia «Nas relações internacionais, é comum falar de “conflito árabe-israelita”, quando, porém, se alguém se introduz com certa profundidade no tema, verá que, na realidade, se faz alusão à política expansionista do estado israelita contra o povo palestiniano, violando a justa e legítima resposta deste.
O que acontece na realidade é a confrontação entre aliados dos Estados Unidos e Europa que podem ser árabes e/ou israelitas e os povos árabes duplamente oprimidos pela intervenção imperial nos seus territórios em conivência com os seus governos e o carácter repressivo, autoritário e antidemocrático da maioria dos governos da região. É assim que Israel tem excelentes relações com uma boa quantidade de governos dos países árabes com os quais supostamente está em conflito.
Israel, as monarquias autocráticas e os governos reaccionários do Médio Oriente e norte de África estabeleceram uma aliança virtual sob a égide da Grã-Bretanha, primeiro, e Estados Unidos, depois. A falácia de um suposto conflito alimentado pelo Ocidente não faz mais do que sustentar um mercado vital para a manutenção de um modelo de sociedade decadente».
Todavia, nesse momento, era possível disfarçar a realidade, mas as evidências dos factos recentes encarregaram-se de arrancar as máscaras e confirmar a certeza de que o exposto naquela altura se transformou num cenário triste e lamentável que prefigura os acontecimentos políticos mais relevantes do Médio Oriente e do norte de África. A aliança comandada pelos Estados Unidos e integrada pela Arábia Saudita, Israel e quase todas as monarquias do Golfo Pérsico destapou as suas verdadeiras intenções para justificar os mais terríveis desmandos, o apoio e a protecção ao terrorismo no Iraque e na Síria, uma despiedada guerra contra o povo iemenita e as violações mais flagrantes ao direito internacional e ao respeito pelos direitos humanos. Só no Iraque, fala-se de entre 1,2 e 1,4 milhões de mortos, na Síria, cerca de 450 mil falecidos e, no Iémene, uns 40 mil, além da pior crise humanitária da história recente em que se contam 850 mil cidadãos que contraíram cólera dadas as insuficientes condições de salubridade, assim como 14,8 milhões de pessoas que carecem de serviços básicos de saúde e 14,5 milhões de água potável, segundo números da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Enquanto isto acontece, os projectos da aliança saudita-israelita não puderam ser cumpridos: Bashar El Assad continua no poder na Síria e as suas forças armadas derrotaram virtualmente o ISIS e as outras organizações terroristas, o exército iraquiano recuperou a quase totalidade do território nacional, os huthies do Iémen melhoram dia-a-dia a sua capacidade e disposição combativa e começam a assestar golpes certeiros às forças sauditas invasoras, no seu próprio território.
O desespero começou a aumentar no interior da monarquia wahabita e o reino começa a mostrar as suas brechas. O brutal dispêndio económico que significa manter o nível de vida da família monárquica, os gastos gigantescos no financiamento do terrorismo e na manutenção da guerra no Iémene, fizeram diminuir os fundos das arcas reais. A resposta tem sido comprar armas aos Estados Unidos no valor de 110 mil milhões de dólares, durante a recente visita do presidente Trump a Riade, com o intuito de tentar dar uma volta à situação bélica no sul da península arábica, o que parece pouco provável. Em troca, o presidente dos Estados Unidos comprometeu-se a dar carta branca a todas as acções da aliança saudita-israelita na região.
Do mesmo modo, tomaram uma série de medidas de carácter interno com o objectivo de tentar manter a coesão social e a governabilidade do país, face às cada vez maiores de descontentamento popular, que levaram a incrementos na repressão, sem temor a críticas, atendendo ao apoio ocidental a tais práticas. Procurando saída para a tensa situação, o rei Salmán destituiu quem tinha nomeado como sucessor para designar, em seu lugar, o filho Mohamed Bin Salmán, a quem, para além disso, concedeu a titularidade do Ministério da Defesa, correspondendo-lhe dirigir a desastrosa campanha do Iémene.
Com o objectivo de dar um carácter institucional à mudança na máxima hierarquia do governo, a 4 de Novembro passado, o rei criou um comité anticorrupção, pondo-lhe à frente o próprio príncipe Mohamed que, como maneira de abrir caminho para o seu futuro reinado e que, na realidade, foi um auto-golpe de Estado, mandou prender 201 altos cargos do governo, das Forças Armadas, governadores provinciais e empresários, aos quais se confiscaram ou congelaram cerca de 800 mil milhões de dólares, que passarão para as arcas do Estado, a fim de permitir ao príncipe pagar dívidas, dar continuidade à guerra no Iémen e financiar o terrorismo, depois do governo monárquico se ter visto obrigado a recorrer aos mercados creditícios e aos fundos da reserva nacional para conter a acelerada crise da sua economia. Os empresários detidos, alguns deles considerados entre os maiores milionários do reino e do mundo, estão a ser submetidos a pressões e torturas para que declarem onde se encontram os seus capitais, que necessitam ser repatriados para Riade. Entre estes magnatas presos encontram-se os proprietários de algumas das principais cadeias de comunicação do mundo árabe: MBC, ART e Orient. Com tais acções, o príncipe herdeiro garantiu o controle das finanças, dos meios de comunicação, das forças armadas e dos governos locais, completando assim um autogolpe de Estado, com êxito e sem sangue.
Tendo por objectivo “lavar a cara” da monarquia e mostrar uma face mais agradável ao mundo, Mohamed perseguiu e reduziu os líderes wahabitas radicais, procurando revelar uma atitude modernizante no quadro de uma lógica ocidentalizada, o que permite perceber as razões do desenho do seu programa estratégico denominado “Visão 2030”, com vistas a renovar a economia saudita, elevando os níveis de produção industrial e tecnológico, para reduzir a dependência da produção petrolífera.
No fundo, a verdadeira razão está no impacto que o crescimento e intensificação do prestígio do Irão tem na monarquia, em detrimento da sua própria capacidade de influenciar os acontecimentos políticos da região. Por isso, com o regozijo e a bênção dos Estados Unidos, deu um passo audaz, ao estabelecer uma aliança estratégica com quem supostamente era o seu adversário histórico: Israel. Assim, configurou um esquema a partir da inimizade comum de ambos os regimes contra o Irão, acusando-o de estar por detrás dos últimos e vitoriosos ataques das forças armadas iemenitas, dirigidas pelo movimento Ansar Allah, que permitiram consolidar as acções bélicas em profundidade do território saudita.
Por isso mesmo, procurando criar um novo cenário de conflito que lhe proporcione a infalível intervenção de Israel e o reforço de uma aliança com o regime sionista, a Arábia Saudita forçou a inexplicável renúncia do primeiro-ministro libanês Saad Al Hariri, quando visitava Riade, para manter consultas com o governo, actuando como se fosse o embaixador saudita no Líbano e não o chefe de um governo de um país independente. Embora Hariri seja um antigo aliado da casa Saúd, que deu uma importante ajuda financeira para o império empresarial da sua família, informações provenientes da região afirmam que o primeiro-ministro libanês está sequestrado em Riade, sem poder regressar ao seu país. A estranha justificação para a sua renúncia foi a de que o movimento Hezbollah libanês tentava assassiná-lo, sem apresentar uma única prova de tal acusação, que foi imediatamente desmentida pelo líder da organização Hasan Nasrallah. A monarquia saudita, num acto de extrema e absoluta impotência, comunicou que o Líbano lhe tinha declarado guerra, sem avançar qualquer argumento que sustentasse tão grave imputação. O objectivo final é a criação de condições para uma nova invasão sionista do Líbano, de modo a envolver o Hezbollah nesse conflito, desviando-o da sua missão de apoio ao governo sírio na luta contra o terrorismo.

Quando, ao que tudo indica, o terrorismo está a ser definitivamente derrotado no Iraque e na Síria, a aliança saudita e israelita poderia estar a criar no Líbano uma nova frente de guerra no Médio Oriente e, com isso, outro incêndio incontrolável para o Ocidente, que terá de ter em conta o facto de tal conflagração se produzir numa zona ainda mais próxima da Europa, mesmo na fronteira do regime sionista e contra a única força que o derrotou no passado. 

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Texto original encontra-se aqui