O QUE ELES ESCONDEM

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015


Traduzimos o texto que Yanis Varoufakis, o novo Ministro das Finanças grego, colocou no seu blogue, no dia a seguir à vitória do Syriza, É um discurso de quem sabe o que diz e o que fazer, com dignidade e verdadeiro sentido patriótico. Revela, ainda, ser culto, longe dos economistas de mercearia, presidentes de todos os "cidadões".

 
Ontem, a democracia grega revoltou-se contra a morte da luz. A Europa e o mundo devem juntar-se a nós.
Hoje, o povo da Grécia deu um voto de confiança à esperança. Serviu-se das urnas de voto, nesta esplêndida celebração de democracia, para pôr fim a uma crise que se realimenta, traz indignidade à Grécia e nutre as forças mais obscuras da Europa.

O povo da Grécia enviou, hoje, uma mensagem de solidariedade ao Norte, ao Sul, ao Este e ao Oeste do nosso continente. Essa simples mensagem é a de que está na hora de acabar com a crise-privação, a punição e as acusações. Chegou a hora de revitalizar os ideais de liberdade, de racionalidade, do processo democrático e de justiça, no continente que os criou.
A democracia grega escolheu, hoje, não se deixar levar aos poucos para a noite.
A democracia grega decidiu revoltar-se contra a morte da luz.[N.T.]
Acabados de receber o nosso mandato democrático, apelamos ao povo da Europa e, evidentemente, do mundo inteiro, a juntar-se a nós no campo da partilha, da prosperidade sustentável. 
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[N.T.] Estes dois últimos parágrafos fazem referência a um poema de Dylan Thomas, que pode ser lido e ouvido aqui e aqui.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015


O artigo de Vicenç Navarro foi publicado dois dias antes desta manifestação, em Madrid, convocada pelo Podemos:






 
 
 
 
O MOMENTO É AGORA!



Quem são os extremistas? O caso da Grécia

Por Vicenç Navarro*

A imagem mediática que tem vindo a ser projectada à população, em relação ao que se passa e passará na Grécia, é a de que um partido da extrema-esquerda foi eleito, nesse país, e e que levará a cabo políticas extremistas que desembocarão num desastre económico e financeiro, forçando a sua expulsão do euro. Há, hoje, muitíssimos artigos, nos meios de informação, que apresentam esta visão do que está a acontecer na Grécia.
Tem interesse sublinhar que esta interpretação da realidade grega, assim como os termos que utiliza (tais como definir o partido Syriza como um partido extremista), vêm de um establishment político-mediático, tanto europeu como espanhol, que tem aplicado políticas de cortes da despesa publica e reformas laborais, visando reduzir os salários, causando uma enorme dor e sacrifício à população, muito em particular às classes populares, e provocando uma das recessões económicas mais profundas que a Europa conheceu desde os princípios do século XX. Efectivamente, na Grécia, mais do que recessão, houve uma Grande Depressão, pior do que a sofrida pelos EUA, no início do mesmo século. O PIB desceu nada menos que 25% e os indicadores económicos e fiscais (desde o elevadíssimo desemprego até ao aumento dos suicídios) têm sido um desastre (e não há outra maneira de o definir).
Os partidos políticos que estiveram a impor estas políticas públicas (conhecidas como políticas de austeridade), que careciam de mandato popular (já que não constavam das suas propostas eleitorais), são definidos como partidos “razoáveis”, “moderados”, que estão aplicando o que o conhecimento económico e financeiro (ao qual se referem como científico, chamando-lhe ciências económicas) lhes dita. Um exemplo é o programa da TV3, a televisão pública catalã, conhecido como “Aulas de Economia” (Classes d’Economia), onde o economista mais mediático e promovido pelo governo Mas e os seus meios de informação e persuasão espalha por toda a Catalunha o ideário neoliberal, com o argumento de que está a ensinar ciências económicas, insistindo, ainda hoje, em que a enorme recessão, que a Eurozona está a viver, não tem nada a ver com um grave problema de falta de procura (originada pelas políticas de austeridade), mas com a excessiva intervenção do Estado, que dificulta os investimentos.
Este discurso não é considerado extremista. E também não são definidos como extremistas os trabalhos promovidos por FEDEA, instituição de investigação económica, financiada pela banca privada e pelas maiores empresas do IBEX35, que é apresentada como fonte de informação científica, lógica, razoável, moderada e, naturalmente, carente de extremismos. Todos eles enfatizam a necessidade de aplicar as políticas neoliberais.

Por que se define o Syriza como extremista?

E quando aparece uma força política, o Syriza, que quer parar com estas políticas e reverte-las, chama-se-lhe “extremista de ultra-esquerda”. Como bem assinala o professor Paul Krugman, num recente artigo publicado no The New York Times (26.01.15), o facto de se definir as propostas que o Syriza está a fazer (que, como Krugman indica, são de claro cariz social-democrata, antes de os partidos social-democratas terem deixado de o ser) como medidas extremistas (também definem assim o partido), diz muito da enorme viragem à direita da cultura económica e política do país, sendo isso um indicador de até que ponto a cultura política e económica dos establishment políticos, mediáticos e económicos se tem deslocado para posições autenticamente extremistas, sem nenhuma validade científica, imbuídas de e sustentadas por uma ideologia ultraliberal. Como diz o professor Paul Krugman, o que vimos é o domínio do ultraliberalismo, a ideologia mais extremista que existe no conhecimento económico, financiada pelos interesses financeiros, que dominam o establishment político e mediático europeu e alcança a sua máxima expressão em Espanha.
Hoje, com base na evidência científica, acumulada durante estes anos do enorme dano que estas políticas supuseram para as populações dos países a elas submetidos, pode-se concluir que se trata de políticas profundamente erróneas, que não podem ser apresentadas com o aval científico e que respondem aos interesses particulares (e muito especialmente aos financeiros), em vez de responderem aos interesses gerais. Com base no princípio, tão repetido, de que as políticas públicas que favorecem os interesses da grande banca e grandes corporações são, também, as que melhor beneficiam as classes populares, foram aplicadas estas intervenções estatais, que aumentaram enormemente as desigualdades, prejudicando o bem-estar e qualidade de vida da maioria das classes populares. A evidência disto é esmagadora.

As políticas supostamente extremistas do Syriza

Uma análise pormenorizada das propostas económicas do partido Syriza mostra claramente que o que sugerem é o desenvolvimento das políticas redistributivas, com um incremento da despesa pública (enfatizando o investimento social) e com um aumento dos salários e de assalariados, com o fim de estimular a procura doméstica, paralisada pelas políticas de austeridade. Tudo isto financiado com medidas fiscais, que incrementem a progressividade fiscal e corrijam a abusiva fraude fiscal. E, como é lógico, renegociar uma dívida que é artificialmente alta, devido ao sistema financeiro desenvolvido na Eurozona, centrado no Banco Central Europeu, que, em vez de ser um banco central (que proteja os Estados face à especulação financeira, comprando dívida pública), é um lóbi da banca. Este sistema é profundamente injusto e deve ser mudado.
Qualquer analista da realidade económica da Grécia, que não esteja imbuído do dogma neoliberal, pode ver que estas políticas são as intervenções de que a Grécia necessita. E, a estas políticas – de claro recorte social-democrata – o establishment económico, financeiro, político e mediático europeu chama políticas “extremistas”. Isto mostra o grau de viragem à direita das culturas políticas e mediáticas dominantes.
Algo parecido aconteceu com o documento que o Professor Juan Torres e eu preparámos, a pedido do novo partido Podemos, com propostas que este partido, em caso de governar, deveria aplicar para sair da crise. A mesma agressividade apareceu nos círculos financeiros e económicos e nos meios de informação e persuasão próximos desses interesses. E, como seria de esperar, o presidente do maior lóbi da banca alemã, o banco central alemão Bundesbank, definiu-o como um documento perigosíssimo, que destruiria a economia espanhola, mensagem reproduzida em todos os maiores foros económicos do país, incluindo o jornal El País.
O desastre ao qual as políticas neoliberais levaram não só os países periféricos, mas um número crescente de países da Eurozona, gerou um número crescente de protestos e desacordos com as ditas políticas. Na realidade, a rejeição das políticas de austeridade apareceu inclusive em círculos que antes as tinham promovido, tal como o FMI. E a resposta inicial dos partidos governantes, em França e Itália, à vitória do Syriza e às suas propostas, não foram de rejeição, mas de simpatia. Hoje, o governo Merkel e o seu maior aliado, o governo Rajoy, estão claramente à defesa. O seu dogma está a desmoronar-se. A derrota do seu outro grande aliado, o partido conservador e neoliberal grego Nova Democracia, significou um passo muito ameaçador para eles, pois abre toda uma série de possibilidades que debilitarão a sua posição. Inclusive o famoso e justo pedido de reestruturação da dívida grega é mais que possível, já que a maioria dessa dívida está nas mãos de instituições oficiais (e não dos chamados mercados financeiros), que têm capacidade de decisão e responsabilidade quanto ao preço da dita dívida.
Esta nova etapa requererá grandes mobilizações sociais, tanto dentro da Grécia, como no resto da Europa. E daí a enorme importância de que a manifestação do dia 31 de Janeiro una todas as forças que recusam estas políticas neoliberais, transformando-se numa das maiores manifestações que ocorram na Europa. Assim seria de desejar.

 
* Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona. Foi Catedrático de Economia Aplicada, na Universidade de Barcelona

Original deste artigo encontra-se em http://www.vnavarro.org/?p=11736