O QUE ELES ESCONDEM

quinta-feira, 31 de julho de 2014


O QUE NÃO SE DISSE SOBRE O NOVO BANCO DOS PAÍSES EMERGENTES

Por Vicenç Navarro*

A história dos desastres (e não há outra maneira de definir as consequências da aplicação das suas políticas) criados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) é longa. Esta instituição que, na sua configuração actual, tem o objectivo de defender os interesses do capital financeiro (isto é, das instituições bancárias, à custa dos interesses dos Estados, supostamente ajudados por ela, tem uma longa lista de danos às populações dos Estados “ajudados” (e, muito particularmente, às suas classes populares) por causa das políticas impostas às suas gentes (ver Los amos del mundo. Las armas del terrorismo financiero, Vicenç Navarro e Juan Torres, 2012).
Um caso claro ocorreu em 1997, quando vários países asiáticos, afectados por uma crise financeira, causada pela constante especulação dos mercados financeiros, tentaram estabelecer o seu próprio banco, alternativo ao FMI, ao qual, dada a intenção, chamaram Fundo Monetário Asiático. Esta tentativa foi imediatamente vetada pelo governo federal dos EUA, concretamente pelo Ministro das Finanças (Secretary of the Treasury), muito ligado a Wall Street, o centro bancário dos EUA. Como consequência, tiveram que seguir as políticas impostas pelo FMI, as clássicas e previsíveis políticas neoliberais, com reformas que afectaram profundamente o bem-estar das populações dos Estados “assistidos”, políticas que, como agora também acontece na Eurozona, foram ineficazes para resolver a enorme crise económica e financeira. Na realidade, pioraram-na, como também ocorreu na Eurozona.

Como consequência, surgiu com maior intensidade o pedido, destes e outros países que haviam sofrido as mesmas políticas, para sairem do FMI e estabelecer um fundo alternativo. Tais países chegaram à conclusão de que era praticamente impossível mudar o FMI, controlado pelos interesses financeiros estado-unidenses e seus aliados europeus, interesses que, por certo, afectaram também negativamente o bem-estar das populações norte-americanas e europeias. Não era, como os maiores meios de informação sempre tentaram apresentar, um conflito entre os EUA e Europa contra o resto do mundo, mas os interesses financeiros das instituições bancárias – que beneficiam sectores minoritários nestes países – contra a maioria das populações dos países com diferentes níveis de desenvolvimento económico. O que as políticas impostas pelo FMI mostravam era que os interesses particulares das instituições bancárias não eram os mesmos, nem tão-pouco coincidiam com os interesses das classes populares dos países desenvolvidos, nem com os interesses das dos países emergentes. Como é patente na enorme crise financeira que os EUA e a União Europeia estão a sofrer, a realidade mostra que o enorme controle por parte das instituições bancárias do FMI, do Banco Mundial e do Banco Central Europeu (BCE) está a beneficiar interesses muito particulares, distintos e, na realidade, opostos aos interesses gerais da maioria das populações (que são as suas classes populares) dos países, tanto os economicamente avançados, como os com menor desenvolvimento económico. De novo, o que está a ocorrer na Eurozona (e, muito particularmente, na sua periferia) é um claro exemplo disso.

A situação na Ucrânia e em 31 países “ajudados” pelo FMI
Surpreenderá o leitor que apareça de repente, neste artigo, uma referência à Ucrânia, um país que está a sofrer um conflito bélico de enormes consequências. Mas, a situação bélica, a guerra civil naquele país, oculta outro desastre, criado pelo FMI. Naquele país, as políticas neolibarais, impostas pelo FMI e o seu aliado, o BCE, estão causando uma enorme recessão, com uma queda de nada menos que 5% do seu PIB e com um enorme crescimento do desemprego. Na realidade, dos 41 países que estão a receber “ajuda” do FMI, 31 sofrem uma enorme recessão, causada pelas políticas de austeridade, impostas pelo FMI e BCE (ver o excelente artigo de Mark Weisbrot, BRICS’ New Financial Institutions Could Break a Long-Standing and Harmful Monopoly”, em Center for Economic and Policy Research, 18.07.14)

Daí a urgência e necessidade de criar instituições alternativas, como a criada pelos países emergentes BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), aberta a outros países. Os media, influenciados pelo capital financeiro estado-unidense e europeu, tentaram minimizar a importância deste desenvolvimento, considerando-o pouco credível. A sua credibilidade, contudo, como instituição financeira alternativa, está avalizada, porque todos estes países têm sistemas bancários públicos. Na realidade, um dado que, regra geral, não se conhece é o de os países que têm tido maiores crises financeiras serem aqueles em que, no seu sistema bancário, predomina o sector privado. Os casos claros são os EUA e a Eurozona, sendo, inclusive, mais acentuada a da Eurozona, porque, nesta zona, o BCE não é um banco central, mas um lóbi da banca (ver o meu artigo “El BCE, el lobby de la banca, Público, 08.12.11). Isto deixa os Estados numa situação enormemente vulnerável, forçando-os a pagar uns juros excessivos pela sua dívida. Daí que o aparecimento de um fundo alternativo ao FMI possa significar um avanço considerável no intuito de romper a mordaça que representa o FMI para todos os países, tanto os emergentes, como os chamados países desenvolvidos.
______

O original deste artigo encontra-se em http://www.vnavarro.org/?p=11130 
* Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona. Foi Catedrático de Economia Aplicada, na Universidade de Barcelona. É também professor de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University (Baltimore, EUA), onde foi docente durante 35 anos. Dirige o programa Políticas Públicas e Sociais, patrocinado conjuntamente pela Universidade Pompeu Fabra e The Johns Hopkins University. Dirige, igualmente, o Observatório Social de Espanha.
 

 

segunda-feira, 28 de julho de 2014


 
O PODER POPULAR NA VENEZUELA

Por Lídia Falcón*
 
Se alguma vez pode ter êxito a democracia participativa, a gestão directa do povo nos assuntos que mais lhe diz respeito, é, hoje, na Venezuela. Os textos legais falam-nos de criar Comunas, a partir da eleição dos Conselhos Comunais. Os Comités administram directamente os temas que os afectam. A Lei Orgânica dos Conselhos Comunais, cujos primeiros passos são dados pela mão do Ministério del Popular para la Agricultura y Tierras, em Fevereiro de 2008, afirma: “Pelo que, no marco legal da Constituição da República Bolivariana de Venezuela, se promove a participação do povo na formação, execução e controle da gestão pública, com o objectivo de cumprir um duplo propósito, representado pelo exercício da democracia da forma mais directa e protagónica possível e conseguir a interiorização individual e colectiva do projecto político de desenvolvimento nacional, dentro dos princípios de soberania, autogestão e solidariedade como meio único para garantir o completo desenvolvimento individual e colectivo das comunidades”.
E acrescenta: “Pelo que... se promove a actuação, a distribuição vertical do poder público, incorporando o poder popular, representado por comunidades organizadas, comunas, conselhos comunais, conselhos de trabalhadores, conselhos estudantis, conselhos de camponeses, conselhos de artesãos, conselhos de pescadores, conselhos desportivos e outras organizações locais que, através da sua participação protagónica, exerçam funções de co-gestão que sirvam para optimizar o desenvolvimento das funções próprias dos entes públicos com o objectivo de concretizar os fins do Estado.”

A Comunidade é o núcleo espacial básico e indivisível, constituído por pessoas e famílias, que habitam num determinado âmbito geográfico, vinculadas por características e interesses comuns. Ali, reunem-se as organizações comunitárias, os comités de trabalho e os e as porta-vozes que coordenam o funcionamento do Conselho Comunal. A Assembleia de Cidadãos e Cidadãs é o órgão máximo de organização e decisão do Conselho Comunal.
E tudo isso e nada menos que isso é o que estão tentando fazer. Porque o mais interessante, e tantas vezes emocionante, é observar a realidade quotidiana da actuação dos homens e das mulheres implicados nesta experiência.

O projecto de um socialismo autogerido não ficou apenas nos discursos de Chávez. A maioria do povo acreditou e está a pô-lo em prática. Percorri as Comunas já criadas, falei com os porta-vozes dos Conselhos Comunais, assisti às reuniões de mulheres da rede de organizações feministas, La Araña Feminista, conheci a escola de formação feminista Argelia laya, participei na assembleia e debate em celebração do Dia do Trabalho Doméstico, que estava abarrotada de gente – já que vários homens também participaram -, e fui convidada para a III Assembleia Nacional do Conselho Consultivo do Poder Popular das Mulheres e Igualdade de Género, à qual assistiram 120 organizações de mulheres de todo o país.
E visitei o mítico Bairro 23 de Janeiro, onde homens e mulheres construíram, de raiz, uma cidade, que eles e elas dirigem, organizam, produzem, com um entusiasmo que, para mim, tinha ficado perdido na lembrança de militância dos anos heróicos contra a ditadura espanhola e na Transição.

O envolvimento dos operários e das operárias, das donas de casa, dos moradores e dirigentes de bairro, na construção de casas, na criação de pequenos negócios, na organização e solidariedade na ajuda aos mais necessitados, é exemplar. São tantos os entusiastas, as dirigentes de vanguarda, as militantes nos diversos aspectos da organização das Comunas, que seriam precisos muitos dias para falar com eles. Com total liberdade. Ninguém vigia os nossos passos, as nossas visitas às Freguesias, aos Conselhos Comunais, nem com quem, nem de quê se fala com os homens e mulheres que nos recebem, nem intervem nas entrevistas.
Foram criados rádios e televisões comunais, que emitem para um território extenso e, sobretudo, estão ligados pela Internet. Os programas são desenhados pelos próprios comuneros. Moças muito inexperientes ainda, que estão a aprender, locutores amadores e alguns mais veteranos informam sobre a realidade quotidiana dos seus vizinhos. Sem que alguém controle ou censure o que ali se diz. Nenhum dirigente governamental aparece nesses meios de comunicação a supervisar os programas e, quando convidados, são submetidos a entrevistas incómodas e, sobretudo, a exigências quanto ao que está por fazer.

Pode-se criar uma Comuna, em qualquer território, freguesia, povoação, cidade, convocando uma assembleia, como estabelece a lei. A reunião de vários Conselhos Comunais formará uma Comuna. Um Ministério de Comunas limita-se a proporcionar recursos para as iniciativas que vão surgindo. A Directora Geral desse Ministério, María Inés Novas, desculpa-se a todo o momento pela burocracia inevitável, ao mesmo tempo que estimula todos os seus colaboradores a participar na criação do Poder Popular nos lugares mais recônditos do país.
O mais insólito é que, em quiosques, lojas, pequenos triciclos onde se vende arepas e sumos, em restaurantes e hotéis, estão à vista, nos balcões, folhas para que os vizinhos e clientes assinem a solitação de criação do Conselho Comunal e poder-se, assim, constituir uma Comuna. E o mais surpreendente, e enternecedor, é que, em várias vendas ambulantes, em livrarias, papelarias, lojas de diversos produtos, se vendem cópias impressas em papel vulgar, presas com um agrafo, da Constituição Venezuelana, da Lei do Processo Social do Trabalho, da Habitação, da Protecção dos Menores, do Poder Comunal, dos Conselhos Comunais, da Educação, da Saúde, da Por uma Vida Livre de Violência para as Mulheres, isto é, toda a colecção legislativa que tem sido aprovada, no país, nos últimos quinze anos, por um preço ridículo, para que os mais modestos trabalhadores as comprem... e as leiam. O governo insere anúncios na televisão, insistindo para que as pessoas se organizem na sua própria Comuna ou Conselho Comunal. E elas fazem-no, e, além disso, discutem as leis e quando vão às assembleias e às reuniões com o governo, citam-nas em apoio das suas reivindicações.

Na III Assembleia do Conselho Consultivo das Mulheres, foram distribuídas dezenas de cópias da Lei por uma Vida Livre de Violência para as Mulheres, que as participantes aceitavam avidamente e levavam consigo. Pude constatar que muitas a liam ou já tinham lido. Os venezuelanos e as venezuelanas não se consideram à margem do corpo legislativo do seu país. É constante o pedido que as ministras e vice-ministras fazem, nos actos públicos, às mulheres, aos moradores, aos comuneros, para que assumam o protagonismo e a direcção política e social dos assuntos que lhes interessam.
Se, em alguns momentos, os governantes se queixam, é da apatia de alguns sectores. É totalmente novo e surpreendente para uma espanhola que os e as participantes nos actos públicos se dirijam aos ministros para apresentar as suas reivindicações, que, além disso, entregam por escrito a uma responsável do Ministério, que as recolhe e assegura que vai tê-las em conta.

São muitas mais as atribuições que o povo tem no processo de construção do Poder Popular, que deve ser quem controla e exige ao poder político a boa execução do mandato que aquele lhe deu.
É evidente que, na Venezuela, é possível construir um socialismo popular. Tudo depende da actuação dos colectivos sociais, se os críticos, os indiferentes e os hostis os deixarem viver e trabalhar em paz. Coisa que os inimigos não costumam fazer.

______
O texto original encontra-se em http://blogs.publico.es/lidia-falcon/2014/07/26/el-poder-popular-en-venezuela/?src=lmlp

 
* Lidia Falcón O’Neill é licenciada em Direito, em Arte Dramática e Jornalismo e Doutora em Filosofia. Fundadora do Partido Feminista de Espanha. Participou no Tribunal Internacional de Crimes contra a Mulher, de Bruxelas. Colabora em vários jornais e revistas, em Espanha e nos EUA. Tem uma extensa obra publicada e traduzida em várias línguas, nos campos do ensaio, narrativa e poesia.

 

sexta-feira, 25 de julho de 2014


Os amigos de Portugal

Que relação haverá entre Jean-Claude Juncker, eleito Presidente da Comissão Europeia com os votos do PS-PSD-CDS, a máfia Espírito Santo e o austericídio imposto pela UE e FMI?
Para a resposta correcta, damos uma ajuda com dados retirados de várias publicações que indicamos no fim do artigo. Trataremos as três partes da equação separadamente, começando pelo austericídio das troikas – PS-PSD-CDS e Comissão Europeia-Banco Central Europeu-Fundo Monetário Internacional.

Nos últimos 3 anos, temos, entre outros crimes:
- Mais 2 milhões de pobres.

- 160 mil trabalhadores com contratos de 200 euros de salário.
- 412 mil desempregados sem subsídio de desemprego.

- 440 mil postos de trabalho destruídos. Só em 2013, 18.800 empresas foram à falência.
- 500 mil salários e 181 mil reformas penhoradas por as famílias terem entrado em situação de pobreza absoluta.

- 150 mil família perderam a casa.
- 300 mil famílias deixaram de ter electricidade e 12 mil água por não poderem pagar.

- 40 mil abonos de família cortados.
- 60 mil (30%) complementos solidários para idosos cortados.

- 350.504 pessoas saíram do país, das quais 128.108 em 2013.
- 600 mil funcionários públicos com salário reduzido em 25%

- Mais a contribuição extraordinária de solidariedade, mais a sobretaxa no IRS, mais o aumento da taxa para a Segurança Social e ADSE, mais o aumento do IVA, mais o aumento do IMI, mais o aumento do IUC, mais o aumento do IRS por via da redução dos escalões, e mais... mais... mais... mas, menos IRC para as empresas com maiores lucros, as do PSI 20 e bancos.
Entretanto, a dívida vai crescendo, para contentamento das troikas que, com esse pretexto, podem continuar a exigir mais cortes, transferindo a riqueza do país para as mãos dos banqueiros, todos da laia dos Espírito Santo, com os lacaios fascistóides do governo a fazer o trabalho sujo.

A máfia Espírito Santo
O relatório do Banco Espírito Santo de 2011 dizia terem-se registado “progressos importantes ao nível das reformas estruturais, num ambiente de estabilidade política e social”, destacando “as alterações no mercado de trabalho”, “a reforma no mercado de arrendamento”, “o programa de privatizações, o fim das golden shares, uma nova lei da concorrência de acordo com a prática europeia, a reforma do sector dos transportes, a introdução de regras mais concorrenciais nas telecomunicações e na electricidade”.

Esta satisfação corresponde ao facto de os criados de serviço estarem a cumprir exactamente o que o patrão lhes exigia. Ex.: Fim das golden shares, como a que o Estado detinha na Portugal Telecom, ficando, assim, a administração com as mãos livres para roubar 900 milhões à empresa e entregá-los ao Grupo Espírito Santo.
Em 11 de Maio de 2013, o delinquente Ricardo Salgado ordenava aos seus lacaios, através da TSF, que “os salários têm que continuar a descer”.  E os lacaios obedeceram, com muito gosto, sabendo que o patrão dá boas gorjetas.

Cavaco Silva, quando 1º ministro, reprivatizou o Banco Espírito Santo e a Seguradora Tranquilidade, que haviam sido nacionalizados, após o 25 de Abril, e postos ao serviço do país. Não será por acaso que indivíduos ligados ao BES têm sido ou mandatários ou coordenadores para a juventude da campanha presidencial de Cavaco.
Passos Coelho entrega a EDP aos chineses, assessorados pelo BES, depois de ter recebido telefonemas, registados, de José Maria Ricciardi. Com informação privilegiada e a cumplicidade do governo de Passos Coelho, o Grupo Espírito Santo negoceia em bolsa acções da EDP e REN, antes de ser público o valor das propostas das respectivas privatizações. Catroga, por exemplo, recebeu um bom prémio com a privatização da EDP e vamos conhecendo os contornos de mais vigarices - caso Monte Branco, ligado à privatização daquelas duas empresas.

Miguel Frasquilho, enquanto deputado do PSD e vice-presidente da comissão parlamentar aprovou (votos contra do PCP e BE) os processos de privatização da EDP e REN, com enormes lucros para os Espírito Santo. Recompensa: um alto cargo no BES.
Governos do PS, PSD e CDS fizeram parcerias com o Grupo Espírito Santo, com destaque para Jorge Coelho, o grande socialista, que entregou à Ascendi, detida em 40% pelo Grupo Espírito Santo e o restante pela Mota-Engil financiada pelo BES, as SCUTs, em contratos ruinosos para o Estado (as PPPs), mas valendo bons tachos a quem lhes fez o serviço. O grupo mafioso detém, ainda, participações maioritárias em concessões rodoviárias e ferroviárias como as da Beira Interior, Via Litoral da Madeira, Metropolitano Ligeiro da Margem Sul do Tejo, pontes 25 de Abril e Vasco da Gama, auto-estradas e linhas ferroviárias do Grande Porto, Costa da Prata, Beira Litoral, Beira Alta, Grande Lisboa, Douro Interior.

- Privatizações e swaps, assim como a negociata com os submarinos ou pandures e, ainda, a subconcessão dos Estaleiros de Viana do Castelo  tiveram o BES como intermediário entre os privados e os diferentes governos. A dívida pública também rende bons lucros ao BES – em 2012, mais de 800 milhões ao vender, por preço superior, os títulos comprados ao Estado. Mas, ministros como Pires de Lima são convidados para as festanças na Herdade da Comporta, propriedade dos patrões Espírito Santo. Pena é que, agora, já não haja como limpar o nome dos patrões e ter que ir à procura de outros.
- Há, depois, umas negociatas mais pequenas e que cheiram a financiamento ilegal de partidos. Exemplo: Carlos Horta e Costa, secretário-geral do PSD no intervalo de presidir aos CTT, vendeu um edifício desta empresa, em Coimbra, por 14,8 milhões à Demagre que, no mesmo dia, revendeu por 20 milhões à ESAF-Espírito Santo Activos Financeiros. Este caso está em tribunal desde Novembro de 2012. É provável que não se apure a verdade, tal como sucede com o dinheiro que entrou nos cofres do CDS, através de comissões na compra dos submarinos, transitadas pelo Banco Espírito Santo.

Referimos, por fim, o facto de o Grupo Espírito Santo deter várias instituições financeiras, além do BES: uma nos EUA,, uma no Panamá, uma no Bubai, uma em Angola, uma em Espanha, outra na Suíça, todas pertencentes às três holdings do Grupo, sedeadas no Luxemburgo.  

Jean-Claude Juncker, o luxemburguês amigo de Portugal

Dizem os do PS-PSD-CDS que Juncker é um grande amigo de Portugal e, por isso, votaram nele. Como até o PS, que não pertence à mesma máfia, perdão, à mesma família política, diz que ele é amigo e nós, a maioria do povo português, nunca demos por tal, muito pelo contrário, quisemos saber o porquê desta unanimidade. Parece-nos que basta passar os olhos pelo excepcional currículo do sucessor de Durão Barroso, que, de tão vasto, daremos apenas alguns dados.
O senhor Juncker nunca exerceu nenhuma profissão. É aquilo a que se chama político profissional, neste caso, pela mão do Partido Popular Social-Cristão luxemburguês. Tem o primeiro cargo governamental em 1982, como Secretário de Estado do Trabalho e Segurança Social. Vai sendo promovido a Ministro, passando pela pasta das Finanças, onde inicia a reforma tributária do país, transformando-o num paraíso fiscal. Em 1995 é 1º ministro, cargo que ocupa 18 anos consecutivos. Entretanto, presidiu ao Conselho Económico e Financeiro europeu, destacando-se na criação do Tratado de Maastricht, onde se delineou a moeda única e todos os constrangimentos políticos, económicos e financeiros que levaram à perda de soberania de países como Portugal.

Em 2005 é nomeado presidente do Eurogrupo, de onde sai, em 2013, para passar à presidência da Comissão Europeia.
Juncker tem estado presente em todos os organismos europeus, onde bloqueia, sistematicamente, qualquer tentativa de limitar o roubo feito aos Estados pelos paraísos fiscais.

Não se sabe tudo sobre estes bloqueios, nem dos compromissos impostos por Juncker, pois as deliberações do Conselho Europeu e de certas reuniões dos ministros das Finanças são mantidas secretas, facto pelo qual o ex-primeiro ministro luxemburguês já se congratulou publicamente.
Compreende-se que assim seja, já que não quererá ver anulado o trabalho que teve ao transformar o Luxemburgo no 2º país, depois dos EUA, com mais sociedades de fundos de investimento (as famosas sociedades de investimento com capital variável, SICAV, e os organismos de aplicação colectiva em valores mobiliários, OPCVM, sendo, assim, o paraíso fiscal dos paraísos fiscais.

E não é de estranhar o apoio que recebe daqueles que, a nível nacional, tudo fazem para permitir a saída de capitais, branqueamento de dinheiro e fuga aos impostos, como é o caso notório do Grupo Espírito Santo.
Juncker é o grande amigo destes vigaristas todos, ao ter aberto o seu país a milhares de bancos privados, fundos de investimento e holdings de grupos multinacionais, que não pagam qualquer imposto sobre dividendos.

Exemplo: O BES encaminha o dinheiro dos grandes clientes (com autorização deles, claro) para o Banque Privée Espírito Santo, na Suíça (Suíça, onde pairam 30 mil milhões de euros de portugueses, segundo o Banco Nacional suíço). Como aí há segredo bancário, a identidade destes portugueses desaparece, ficando o dinheiro livre do pagamento de imposto sobre o capital, no país de origem. Mas, como esse dinheiro rende mais se for investido num fundo qualquer do que ficar parado numa conta bancária, é, então, transferido para o Luxemburgo para uma das muitas sociedades do Grupo, como a Espírito Santo International. Os dividendos da aplicação em fundos de investimento, sobretudo de seguradoras, voltam a não pagar impostos.
Às vezes as coisas não correm bem e há, neste momento, alguns portugueses, coitados, que além de vigaristas foram vigarizados pela Espírito Santo International que já abriu falência.

Uma nota curiosa, mas elucidativa, é o caso de ter circulado, no Parlamento Europeu, um fundo de pensões, destinado aos eurodeputados. Soube-se depois que este fundo está vinculado a um SICAV, com sede no Luxemburgo.
Entretanto o amigo Juncker vai reinando na União Europeia e os seus cúmplices, a nível nacional, vão impedindo que leis contra a evasão de capitais e fuga aos impostos sejam aprovadas.

E, assim, quando se exige salários dignos, protecção social, saúde, educação, eles podem dizer que não há dinheiro e que não podemos viver acima das nossas possibilidades.
Todos muito amigos!

_________
Obras consultadas:

Gabriel Zucman, A Riqueza Oculta das Nações, Temas e Debates, 2014
Louçã, F., Lopes, J. T., Costa, J., Os Burgueses, Bertrand, 2014

Gustavo Sampaio, Os Privilegiados, A Esfera dos Livros, 2013
Jornal Avante!, edições de Julho

  

 

domingo, 13 de julho de 2014


O tsunami anti-social na Europa

Por Vicenç Navarro*

É evidente que as políticas públicas neoliberais (que incluem a desregulamentação dos mercados laborais e financeiros, a redução dos salários, a redução e, inclusive, a eliminação da protecção social e a privatização das transferências e serviços públicos do Estado de Bem-estar) levadas a cabo por partidos governantes conservadores, democrata-cristãos, liberais e socio-liberais (incluindo um grande número de partidos governantes social-democratas) estão a levar a União Europeia e a Eurozona ao desastre económico e social. Estas políticas, promovidas e impostas pelo eixo Bruxelas (a Comissão Europeia), Berlim (a coligação presidida por Angel Merkel) e Frankfurt (o Banco Central Europeu), conhecido ironicamente como “o eixo do rigor”, estão a lesar enormemente o bem-estar da população e a arruinar a economia, além de desmantelar os Estados de Bem-estar de cada país, debilitando a Europa social. A evidência disto é sólida e convincente.
O relatório mais recente acerca deste assunto é o da Cáritas, organização católica, intitulado A crise europeia e o seu custo Humano, que analisa a situação social da Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália. O relatório documenta como os cortes na despesa pública afectaram muito negativamente os grupos com rendimentos mais baixos das classes populares, aumentando o seu mal-estar e desemprego (muito em especial entre os jovens). O relatório documenta também o crescimento das taxas de suicídio, de pobreza, de exclusão social, de stress social e de viver sem tecto. Como sublinha o relatório, a crise está a afectar os grupos mais vulneráveis, que menos responsabilidade tiveram no despoletar e desenvolvimento da crise, precisamente nos países com menor protecção social e desenvolvimento menor do seu Estado de Bem-estar, tais como Espanha.

Daí a conclusão do relatório de que “O que está a acontecer é profundamente injusto”. Dos serviços públicos mais afectados, o relatório Cáritas cita os serviços de saúde públicos, cuja qualidade se deteriorou, dificultando o acesso à prestação de cuidados aos grupos mais vulneráveis.
O enorme dano que estas políticas públicas estão a causar às classes populares.

Estes estudos confirmam outros mais académicos, como o bem conhecido trabalho de David Stuckler e Sanjay Basu, intitulado The Body Economic: Why Austerity Kills, onde se calcula que mais de 10.000 suicídios adicionais são devidos às consequências dos cortes na Europa (e nos EUA). As revistas médicas Lancet e British Medical Journal alertaram, igualmente, para os impactos negativos das políticas de austeridade na saúde e bem-estar das populações. Todos os estudos académicos credíveis sobre este tema apoiam as conclusões da Cáritas: “As políticas de austeridade não estão funcionando e uma alternativa é necessária”.
Outros estudos documentaram, também, o impacto negativo que o desemprego e a baixa generalizada dos salários estão a ter na população, tendo sido responsáveis pelo crescimento da pobreza e da exclusão social. Assim, para a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estas políticas foram as responsáveis por o desemprego ter crescido para 116 milhões de pessoas, na UE (representando uma taxa de desemprego de 24%) A OIT informa que, como resultado das ditas políticas, existem, hoje, 800.000 crianças mais em situação de pobreza do que há cinco anos. A OIT indica que, se se continuar por este caminho, a Europa terá, em breve, 15 a 20 milhões mais de pobres do que no presente. Inclusivamente, o Employment Committee do Parlamento Europeu publicou outro relatório, onde acusa a Troika (o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia) e os Ministros da Economia e Finanças da UE de estarem a criar um tsunami anti-social. Conclusão semelhante aparece noutro relatório, este do Comissário dos Assuntos Sociais da própria Comissão, sublinhando que este desastre social está a prejudicar o desenvolvimento económico da UE.

Por que razão estas políticas continuam a ser aplicadas?
Uma resposta credível que se tem dado a esta pergunta é a de que os elementos de decisão da União Europeia, o Conselho Europeu, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, estão controlados por personagens de ideologia neoliberal, que têm uma visão alheia e distante da realidade. Os documentos destas instituições transbordam optimismo, sublinhando que as políticas de austeridade estão a ter um impacto muito favorável no desenvolvimento económico e na recuperação dos países que as desenvolvem, incluindo os países periféricos da Eurozona. Um dos porta-vozes do “eixo do rigor” é o conhecido liberal Olli Rehn, o Comissário europeu para os Assustos Económicos e Monetários, membro do grupo liberal europeu, ao qual pertencem os partidos liberais espanhóis como o CDC, C’s e UpyD, que têm promovido e aplicado estas políticas, com o apoio do grupo conservador, ao qual pertencem o PP e Unió Democràtica, que comungam o credo liberal. Esta ideologia domina também o Banco Central Europeu e o governo Merkel. Todos os seus documentos apresentam uma Europa que não existe, irreal, assinalando erroneamente que as políticas de austeridade estão a funcionar e, portanto, que a Europa já está fora da crise.

O argumento de que a persistência destas polítcas (que deram um resultado tão negativo) se deve ao domínio ideológico do neoliberalismo é válido, mas requere outra pergunta que devemos fazer: por que razão a ideologia dominante é a neoliberal? A resposta é que esta ideologia serve os interesses financeiros e económicos que dominam a UE. Na realidade, os ditos interesses, através desses partidos políticos, impuseram (com toda a opacidade e sem transparência) umas regras (como o Pacto Orçamental, que proíbe, na prática, os Estados de estar em défice), que não podem ser mudadas e condenam a UE a ter que seguir essas políticas, continuando a causar um enorme dano às classes populares.
Perante esta situação, requere-se uma mobilização geral frente ao “eixo do rigor”, exigindo o seu desaparecimento, por serem organismos antidemocráticos e ilegais. Sou consciente de que tal proposta será imediatamente descartada como utópica e irrealizável, percepção que é sempre promovida quando a estrutura do poder é questionada. Na realidade, um número crescente de associações europeias chama a atenção para a violação sistemática das leis aprovadas pelo Parlamento Europeu e pelos Parlamentos nacionais por parte do “eixo do rigor”. A aprovação do Pacto Orçamental deu-se, em vários países, incluindo Espanha, com enorme opacidade, sempre na sombra, e grande aleivosia. E tudo isso nas costas do próprio Parlamento Europeu. Vários sindicatos europeus denunciaram as constantes violações da Carta Social Europeia e o Conselho da Europa documentou a frequente violação dos direitos humanos, que está a acontecer na UE, violação implícita nas políticas impostas pelo “eixo do rigor”. Esta rebelião, que, indubitavelmente, se estenderá a todo o território europeu, deveria incluir actos de desobediência civil que tivessem como objectivo a democratização das instituições europeias, sem excluir a alternativa de os Estados se separarem da dita União, sozinhos ou colectivamente, se as mudanças não são factíveis. A situação social na Europa e, em particular, nos países periféricos, é intolerável.

_______
 * Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona. Foi Catedrático de Economia Aplicada, na Universidade de Barcelona. É também professor de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University (Baltimore, EUA), onde foi docente durante 35 anos. Dirige o programa Políticas Públicas e Sociais, patrocinado conjuntamente pela Universidade Pompeu Fabra e The Johns Hopkins University. Dirige, igualmente, o Observatório Social de Espanha.

 

quinta-feira, 10 de julho de 2014


DOS RATOS E NENHUM HOMEM

O movimento Occupy Wall Street generalizou a ideia de que há 1% de indivíduos que vive à custa dos restantes 99%.
É verdade que esse 1% detém, obscenamente, a maior parte da riqueza de um país. No entanto, para que isto aconteça, é necessário que haja um conjunto de capatazes que, a troco de salários milionários, zelem pela fortuna dos patrões.

São uns 9% da população, os que exercem esta função, quer directamente nas administrações, quer em universidades, meios de comunicação ou partidos políticos, onde reproduzem e difundem a ideologia que convém ao 1% dominante.
Temos, assim, 10%, que, na maioria dos países da OCDE, acumula mais de 50% do capital.

Em Portugal, caso extremo desta desigualdade, 32 famílias detêm o equivalente a 11% do PIB, se se considerar apenas o valor das acções, e 150 declaram, em IRS, mais de 1 milhão de euros por ano. Segundo dados do banco suíço UBS, que englobam todas as formas de rendimento, são 817 as pessoas cuja fortuna ultrapassa os 22,4 milhões de euros, num total de 75 mil milhões, correspondendo a metade do PIB nacional ou ao resgate financeiro da Troika. Este mesmo banco registou, em 2013 (ano de grande empobrecimento da maioria da população), mais 85 indivíduos que passaram a pertencer àquele grupo, assim como o aumento das fortunas já existentes.
Estes correspondem ao 1%. Têm nomes e apelidos, alguns sobejamente conhecidos, como Soares dos Santos, que, descaradamente, não paga quase um cêntimo de impostos em Portugal, ou Pinto Balsemão, o patrão dos meios de comunicação que divulgam as mentiras formatadoras da opinião pública. A lista completa, respectivas fortunas e empresas de que são accionistas podem ser consultadas na obra de Francisco Louçã, João Teixeira Lopes e Jorge Costa, OS BURGUESES, Bertrand Ed, 2014, de onde retirei a maior parte da informação apresentada neste artigo. O estudo de Eugénio Rosa OS GRUPOS ECONÓMICOS E O DESENVOLVIMENTO EM PORTUGAL NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO, Lisboa, 2013, que os autores anteriores citam, tem, igualmente, enorme interesse para perceber como aquelas fortunas foram perpetuadas, umas, e conseguidas, outras, com os diferentes governos constitucionais da chamada democracia, que sempre estiveram ao seu serviço e apenas ao seu serviço.

E é aqui que se encontra o verdadeiro problema - no governo e aparelho de Estado ao mais alto nível -, onde encontramos uma boa parte dos tais 9%, que decidem das políticas a adoptar, invariavelmente a favor daqueles a quem servem – o 1% que lhes paga bem, para que lhes defendam os interesses, contra a maioria do país.
Vale a pena dar alguns dados para se ver melhor como funciona esta promiscuidade entre os políticos, que se erigiram em casta, e o grande capital.

Entre 776 ministros e secretários de Estado (296 do PSD, 295 do PS, 54 do CDS), dos governos constitucionais que já tivemos, 90% passaram, logo a seguir, para as grandes empresas, sobretudo como administradores:
- 170 para os grandes grupos empresariais;

- 100 para o BCP, EDP e PT:
- 140 para as empresas do PSI20 (as 20 maiores empresas, cotadas em Bolsa)

- 107 para as empresas com contratos de Parceria Público-Privada (PPP). Aqui é de realçar dois casos dos mais escandalosos: Joaquim Ferreira do Amaral (PSD), responsável, enquanto ministro, pela PPP com a Lusoponte (ponte Vasco da Gama), veio a presidir este consórcio. Sérgio Monteiro, actual secretário de Estado, escolhido por Passos Coelho para, além de destruir o serviço de transportes públicos e privatizar os que dão lucro, ser o responsável da negociação das PPP’s, de que foi co-autor como representante da Caixa Geral de Depósitos.
- 7 em 18 ministros das Obras Públicas ou Equipamento Social foram, depois, para empresas destes sectores. Os outros seguiram diferentes vias, como António Mexia (PSD) para a EDP ou Mário Lino (PS) para a presidência do Conselho Fiscal dos Seguros da CGD. Um caso ilucidativo é o de Jorge Coelho, antes, funcionário da Carris e, depois, com o que aprendeu em construção civil no governo de Guterres, passou para a Mota-Engil.

- 14 ministros das Finanças, dos 18 governos constitucionais, prosseguiram ou fizeram carreira na banca privada ou em instituições financeiras (7 em 8 do PSD, 5 em 7 do PS, 1 em 2 do CDS). Do governo de Passos Coelho, temos já Vítor Gaspar no FMI. O ministro das Finanças do 1º governo constitucional, Medina Carreira, o impoluto, foi quem inaugurou a dança, entrando para o Crédito Predial Português e Banco Português de Gestão.
Há, certamente, a lastimar alguns secretários de Estado, pois apenas 43% deles tiveram oportunidade de entrar para os grandes grupos, empresas do PSI20 ou com PPP’s, contra 61% dos ministros. Sempre é melhor ser ministro!

E, para muitos, a passagem pelo governo foi o início de uma bela e lucrativa carreira, que, diga-se, havia sido construída, com muito suor, nas fileiras dos respectivos partidos. Assim, temos:
- 187, 1 em cada 4 indivíduos que passaram pelo governo, ganharam, pela primeira vez na vida, o título de administrador ou de empresário.

Um dos tirocínios por que estes videirinhos passam é o de deputado da Assembleia da República. Veja-se o caso mais recente de Mota Pinto, do PSD, transferido directamente para o Banco Espírito Santo. E, no Parlamento, o conflito de interesses, eufemismo de máfia, ultrapassa o que um mínimo de decência exigiria. Segundo dados de 2013:
- 49 deputados (PS, PSD, CDS) estão em órgãos sociais de empresas e 70 detêm participações de capital.

- 4 são elementos da Comissão de Saúde e, ao mesmo tempo, são parte interessada neste sector, como administradores de empresas de análises clínicas e de diagnóstico, directores e gerentes de empresas médicas, administradores de empresas com contratos de PPP com hospitais públicos ou consultores de uma empresa detida a 49,7% pela Associação Nacional de Farmácias. (Não é de estranhar que um destes fulanos, um tal Menezes, filho do pai, cuspa peçonha quando confrontado).
Não é de admirar, também, que Teresa Anjinho (CDS) e Sérgio Azevedo (PSD), accionistas de várias empresas, tenham sido os porta-vozes da maioria parlamentar no chumbo à proposta destas incompatibilidades.

Apenas mais dois casos exemplificativos de como estamos a ser governados por uma máfia, agora mais evidente que nunca:
- Adolfo Mesquita Nunes, antes de entrar para o governo, integrava a comissão parlamentar a monitorizar o programa da Troika que, como todos sabemos, exige a privatização das empresas património do Estado, como a EDP ou a REN. Pois este indivíduo era consultor do escritório de advogados que, com honorários elevadíssimos, pagos por todos nós, assessorou a passagem daquelas empresas para mãos privadas.

- Eis um nome de que se tem falado mais, nestes últimos dias – João Moreira Rato, indigitado para a “nova” administração do BES, a fim de tentar disfarçar o roubo cometido no grupo Espírito Santo. Nomeado por Vítor Gaspar para a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, decidiu, na última semana, vender dívida pública em dólares (em vez de euros), o que tornará mais difícil, num futuro, qualquer renegociação dessa dívida. Este Rato, conselheiro privilegiado do Coelho, tem um currículo assinalável: depois de uma graduação em Finanças no berço dos Chicago Boys, a universidade de Chicago de Milton Friedman (o pai do ultraliberalismo e conselheiro de Pinochet), foi director executivo da Morgan Stanley, com a responsabilidade de soluções de mercado para a Península Ibérica, sem desgostar, certamente, o patrão. Ganhou experiência, depois, na área dos produtos financeiros “derivados” (mais conhecidos como tóxicos), no Lehman Brothers, o tal que despoletou a crise financeira a nível mundial, e no Goldman Sachs, o principal causador da crise grega, que continua a colocar os seus funcionários nos postos chave, como o de presidente do Banco Central Europeu. Por fim, este Rato, já bem conhecedor dos meandros da especulação, abre, em Portugal, a Nau Capital, uma gestora de hedge funds (fundos de investimento especulativos sobre divisas, matérias-primas, etc., nada regulamentados e normalmente sedeados em paraísos fiscais) em parceria com... o grupo Espírito Santo.
Estamos, assim, a sofrer os crimes de uma máfia, composta por um grupo de padrinhos (1%), acolitado por 9% de esganados, capazes de destruir a vida de milhões de pessoas e vender ao desbarato um país inteiro.

Talvez, um dia...

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 4 de julho de 2014


A UNIDADE DA ESQUERDA REVELA QUEM É DE DIREITA E APOIA AS POLÍTICAS CRIMINOSAS DA TROIKA

O Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda integram, no Parlamento Europeu, o Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Verde Nórdica (GUE/NGL).
Para o novo ciclo, iniciado com as eleições europeias de 25 de Maio último, este grupo político escolheu Pablo Iglesias, do Podemos espanhol, como candidato à presidência daquela instituição.

Sabia-se que não iria ser eleito, já que PS, PSD e CDS e respectivos grupos europeus, tal como a nível nacional, se uniam numa irmandade de direita.
E assim foi, uma vez mais, com o alemão Schulz, da coligação no governo Merkel, a reunir 64% dos votos.

Se alguém, ingenuamente, ou não, perguntar a razão deste conluio, a resposta não se fará esperar: é que é necessário travar o passo aos partidos populistas e aos de ultradireita, xenófobos, eurófobos.
Significa isto meter no mesmo saco os nacionalistas britânicos de Nigel Farage ou ultras como Marine Le Pen (que, nos respectivos países, são muito bem tratados, com omnipresença nos media) e Pablo Iglesias, Alexis Tsipras, do Syriza grego e, ainda, a Isquierda Unida espanhola ou a CDU portuguesa, de que fazem parte os partidos comunistas destes países.

São, na realidade, estes últimos que metem medo à coligação de direita, visto o aumento de apoio popular que registam e a unidade que mostram a nível europeu.
O discurso de Pablo Iglesias, no Parlamento Europeu, que os meios de comunicação censuraram e que os eurodeputados da coligação de direita nunca gostariam de ter ouvido, é, de facto, importante, pelo conteúdo e, até, pela forma.

As imagens estão na Net (onde se pode, igualmente, apreciar o incómodo de uma tal Rodrigues, grande cabeça pensante do PS), assim como o texto em espanhol. Nós deixamos, aqui, a tradução para português.


DISCURSO DE PABLO IGLESIAS, COMO CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DO PARLAMENTO EUROPEU

É uma honra dirigir-me aos senhores para apresentar a minha candidatura à presidência desta câmara. Este parlamento tem por obrigação representar a soberania da Europa e devemos, senhores deputados, estar à altura do que isso, hoje, significa.
O sonho da Europa foi, muitas vezes, sepultado, mas sempre conseguiu despertar de novo. Assim aconteceu há quase 70 anos: a Europa voltou a despertar com a resistência dos seus povos contra o fascismo, os sobreviventes dos campos de extermínio, aqueles que deram a sua vida pela justiça e liberdade. Milhares de compatriotas meus, que haviam lutado em defesa da democracia em Espanha, participaram nessa luta e nesse sonho de justiça. Não imaginam o orgulho que tenho, como espanhol, pelo facto de os primeiros tanques, que entraram a libertar Paris, terem sido guiados por combatentes espanhóis. Hoje, quando a intolerância e a xenofobia voltam a ameaçar-nos, quero reivindicar a memória europeia do antifascismo e a de todos os povos amantes da liberdade e da democracia.

Senhores deputados, o melhor do nosso continente e da nossa história comum forjou-se nas revoluções que fizeram do povo o sujeito de direitos, por cima de reis, de deuses, de nobres e grandes proprietários. O melhor património da Europa é a vontade dos seus cidadãos em ser livres e não escravos de ninguém. Não ser escravo de ninguém, senhores deputados, isso é a democracia.
Daí que deva dizer-lhes, hoje, que os povos a quem devemos as liberdades e os direitos sociais não lutaram por uma Europa em que as suas gentes vivam com medo da pobreza, da exclusão, do desemprego ou desamparo na doença. A expropriação da soberania e a sujeição à governação das elites financeiras ameaçam o presente e o futuro da Europa, ameaçam a nossa dignidade, ameaçam a igualdade, a liberdade e a fraternidade, ameaçam a nossa vida em comum.

A criação de novas instâncias supranacionais não tem que ser paga ao preço de impossibilitar o exercício de cidadania. Os nossos povos não são menores de idade, nem colónias de nenhum fundo de investimento, não conquistaram e defenderam a sua liberdade para entregá-la a uma oligarquia financeira. Não são termos abstractos, senhores deputados, todos os senhores conhecem bem o problema. É escandalosa a facilidade com que se movem, aqui, os lóbis, ao serviço de grandes corporações, assim como as portas giratórias, que convertem os representantes dos cidadãos em milionários a soldo das grandes empresas. Há que dizê-lo alto e bom som: esta maneira de funcionar rouba a soberania dos povos, atenta contra a democracia e converte os representantes políticos numa casta.
Senhores deputados, a democracia, na Europa, foi vítima de uma deriva autoritária. Na periferia europeia, a situação é trágica: os nossos países converteram-se quase em protectorados, em novas colónias, onde poderes que ninguém elegeu estão a destruir os direitos sociais e a ameaçar a coesão social e política das nossas sociedades.

Da América Latina aprendemos que a dívida externa está desenhada para ser impagável e que os países que mais têm crescido fizeram-no com um desagravamento substancial e uma auditoria pública à sua dívida. Todos, nesta câmara, sabem da dívida perdoada, não há muito tempo, à Alemanha. Não é apenas uma questão de justiça. Tem que ver com a integração europeia e com a democracia: a dívida é, hoje, um mecanismo de mando e saque dos povos do sul. É isso que está a suceder nos países que, com marcado racismo, alguns denominam PIGS. Mas, suponho que os senhores são conscientes de que não há Europa sem os seus povos do Sul, como não há sem os seus povos do Leste, submetidos também a duras condições da Troika, cujo rumo ameaça destruir o projecto europeu, deixando um rasto de miséria, pobreza e violência.
Porém, há outro caminho. Há alternativa às políticas de empobrecimento e ao sequestro da soberania. Este Parlamento Europeu, nesta hora crítica para a Europa, deve estar à altura, deve mostrar sensibilidade e converter-se no epicentro de um estremeção democrático na União Europeia, um estremeção que trave a deriva autoritária da Troika. Este Parlamento deve expressar a legitimidade democrática de origem, que a todos nos une – a voz dos cidadãos – e não os conluios entre elites. O Parlamento Europeu não pode ser um prémio de consolação, nem uma reforma doirada.

Senhores deputados, hoje não me dirijo a uma câmara de cinco, seis ou sete grupos parlamentrares. Tão-pouco me dirijo aos aparelhos partidários. Dirijo-me aos senhores, senhoras e senhores deputados, porque os senhores têm um contrato de responsabilidade política, assinado com os vossos povos. Dirijo-me aos democratas e às suas consciências. A nossa primeira fidelidade, a que todas as demais devem subordinar-se, é com os cidadãos que nos elegeram. Eles não estão nos corredores deste edifício, nem nos hotéis que rodeiam esta câmara. Mas, não se esqueçam; eles são os soberanos e, cedo ou tarde, pedirão contas do que foi feito em seu nome.
Dirijo-me, também e muito especialmente, aos meus colegas eurodeputados dos países do Sul da Europa. Os senhores viram as consequências reais que têm as políticas impostas pela Troika. Os senhores sabem que as políiticas de austeridade fracassaram: os nossos países são hoje mais pobres, com economias destruídas, com sociedades feridas de injustiça e instituições despedaçadas pela corrupção e pelo descrédito. Os senhores sabem que está na hora de ajudar os nossos países a porem-se, de novo, em pé. Peço-vos que, pelo menos, votem como gregos, como irlandeses, como portugueses, como italianos, como checos, como polacos, como romenos, como espanhóis. Não só para que possam olhar de frente a vossa gente, quando voltam a casa, mas porque, assim, estarão a defender a Europa. Peço o voto consciente de muitos dos senhores, que não se reconhecem neste sequestro da democracia, sabendo que muitos estão sinceramente comprometidos com o bem-estar dos seus povos. Peço-lhes o voto para travar a grande coligação que impõe austeridade e totalitarismo financeiro.

Quero dirigir as minhas últimas palavras aos cidadãos e povos da Europa, que saíram à rua, estes anos, para defender a justiça social e a democracia. Aos milhões que haveis dito basta, nas praças europeias, quero dizer-vos que sois o orgulho, o coração democrático da Europa. Mantende alta a bandeira da dignidade. Nós, povos da Europa, já passámos por piores situações e livrámo-nos dos déspotas. Não sei se hoje poderemos arrebatar a presidência deste parlamento à grande coligação, mas se nos seguis, empurrando, asseguro-vos que venceremos. O amanhã é nosso.