O QUE ELES ESCONDEM

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014


A manipulação da opinião pública sobre o que se passa na Venezuela continua. As mentiras são descaradas e percebe-se a razão: em 15 anos de socialismo democrático, o governo da Venezuela, primeiro com Chávez, depois com Nicolás Maduro, deu a milhões de pessoas o estatuto de cidadão, permitindo-lhes votar (antes, por serem pobres, nem documentos de identificação tinham); consagrou mais de 42% do orçamento de Estado a despesas sociais; tirou 5 milhões de pessoas da pobreza; reduziu a mortalidade infantil; erradicou o analfabetismo; multiplicou por cinco o número de professores primários, nas escolas públicas (de 65 mil para 350 mil). Criou 11 novas universidades. Concedeu pensões de reforma a todos os trabalhadores, inclusive aos não inscritos.

Estes dados foram retirados de um artigo de Ignacio Ramonet, director do Le Monde Diplomatique espanhol e autor do livro “Hugo Chávez. Mi primera vida”. O artigo pode ser lido em www.telesurtv.net sítio digital do canal de televisão Telesur, cujo sinal recebia através da ZON satélite e que foi eliminado do pacote de canais. (1) Também se percebe porquê.

(1) A Zon informou-me que este canal não fazia parte do meu pacote, apesar de, desde início, o ter recebido sempre. No dia 1 de Março, voltei a recuperá-lo.

O artigo que se segue, do professor Salim Lamrani, foi publicado em www.globalresearch.org

 

25 verdades sobre as manifestações na Venezuela

Por Salim Lamrami*

Como em 2002, a oposição radical, incapaz de tomar o poder pela via das urnas, multiplica as acções com o objectivo de romper a ordem constitucional.

1. Nicolás Maduro, Presidente legítimo da Venezuela desde Abril de 2013, fas frente a uma poderosa oposição, apoiada pelos Estados Unidos, aspirando a retomar o poder que perdeu em 1998.

2. Como perdeu as eleições presidenciais de Abril de 2013 por uma diferença de 1,59%, a oposição recusou, primeiro, os resultados eleitorais, confirmados, não obstante, pelas mais importantes instituições internacionais, desde a União Europeia até à Organização de Estados Americanos, passando pelo Centro Carter, e expressou a sua raiva em actos violentos, que custaram a vida a onze militantes chavistas.

3. Apesar disso, a pequena margem que separou o candidato da oposição, Henrique Capriles, do vencedor Nicolás Maduro, galvanizou a direita, motivada pela perspectiva da reconquista do poder. Fez, então, das eleições autárquicas de Dezembro de 2013 um objectivo estratégico.

4. Contra todos os prognósticos, as eleições autárquicas transformaram-se em plebiscito a favor do poder chavista, que ganhou 76% dos municípios (256) contra 23% (76) para a coligação MUD, que agrupou toda a oposição.

5. Desmoralizada por esse sério revés, vendo a perspectiva de uma reconquista do poder, por via democrática, afastar-se outra vez – as próximas eleições serão as legislativas, em Dezembro de 2015 -, a oposição decidiu reproduzir o esquema de Abril de 2002, que desembocou num golpe de Estado mediatico-militar contra o Presidente Hugo Chávez.

6. A partir de Janeiro de 2014, o sector radical da oposição decidiu actuar. Leopoldo López, líder do partido Vontade Popular, que havia participado no golpe de Estado de Abril de 2002, lançou um apelo à insurreição, a partir de 2 de Janeiro de 2014: “Queremos lançar um apelo aos venezuelanos (...) que nos levantemos. Convocamos o povo venezuelano a dizer “já basta” (...) Com uma meta a discutir:’a saída’. Qual é a saída para este desastre?”.

7. No dia 2 de Fevereiro de 2014, durante uma manifestação, Leopoldo López designou o poder como responsável de todos os males:”As carências que padecemos hoje têm um culpado. Esse culpado é o poder nacional.”.

8. No dia 2 de Fevereiro de 2014, Antonio Ledesma, figura da oposição e presidente da Câmara da capital Caracas, também lançou um apelo à mudança:”Este regime cumpre hoje quinze anos contínuos, promovendo a confrontação. Hoje, começa a unidade na rua de toda a Venezuela”.

9 Maria Corina Machado, deputada da oposição, lançou um apelo para pôr fim à “tirania”: “O povo da Venezuela tem uma resposta:’Rebeldia, rebeldia’. Há alguns que dizem que devemos esperar por umas eleições dentro de uns quantos anos. Podem esperar os que não conseguem alimentos para os filhos? Podem esperar os funcionários públicos, os camponeses, os comerciantes, a quem tiraram o direito ao trabalho e à propriedade? A Venezuela não pode esperar mais”.

10. No dia 6 de Fevereiro de 2014, depois de uma manifestação da oposição, um grupo de uma centena de encapuçados atacou a residência do Governador do Estado de Táchira, ferindo uma dezena de polícias.

11. Na mesma semana, várias manifestações da oposição sucederam-se, em diferentes Estados, e degeneraram todas em violência.

12. No dia 12 de Fevereiro de 2014, outra manifestação, orquestrada pela oposição, em frente ao Ministério Público, composta por estudantes das universidades privadas, organizados em grupos de choque, foi de uma violência inaudita, com três mortos, uma centena de feridos e inumeráveis danos colaterais.

13. Como durante o golpe de Estado de Abril de 2002, as três pessoas falecidas foram todas executadas com uma bala na cabeça.

14. Entre elas encontrava-se um militante chavista, Juan Montoya e um opositor chamado Basil Da Acosta. Segundo a investigação balística, ambos foram executados com a mesma arma.

15. Nos dias seguintes, os manifestantes, oficialmente mobilizados “contra a vida cara e a insegurança”, instalaram-se na Praça Altamira, situada num bairro rico de Caracas.

16. Desde há vários meses que a Venezuela sofre uma guerra económica, de orquestrada pela oposição, que controla ainda amplos sectores, com a organização artificial de penúrias, de açambarcamento de produtos de primeira necessidade e de multiplicação de actos especulativos.

17. Assim, no dia 5 de Fevereiro de 2014, as autoridades apreenderam, no Estado de Táchira, cerca de mil toneladas de produtos alimentares de primeira necessidade (arroz, açúcar, azeite, café, etc.), escondidos em armazens. Desde Janeiro de 2013, as autoridades apreenderam mais de 50.000 toneladas de alimentos.

18. O governo bolivariano decidiu actuar e castigar os açambarcadores e especuladores. Em Novembro de 2013, a cadeia Daka de produtos electrodomésticos foi embargada e as autoridades decidiram regular os preços. Com efeito, a empresa facturava os seus produtos com um lucro de mais de 1.000%, o que os tornava inacessíveis à maioria da população.

19. Agora, a margem de lucro para as empresas não poderá superar os 30%.

20.O Presidente Nicolás Maduro denunciou uma tentativa de golpe de Estado e chamou os cidadãos a fazer frente ao “fascismo”. “Nada nos afastará do caminho da Pátria e da via da democracia”, afirmou.

21. No dia 17 de Fevereiro de 2014, três diplomatas dos Estados Unidos foram expulsos do país pela sua implicação nos sangrentos acontecimentos. Tinham-se reunido com os estudantes das universidades privadas, para coordenar as manifestações, segundo as autoridades venezuelanas.

22. No dia 18 de Fevereiro de 2014, Leopoldo López foi preso pela sua responsabilidade política nas manifestações violentas e foi entregue à justiça.

23. A administração Obama condenou o governo de Caracas pela violência, sem apontar um só instante a responsabilidade da oposição, que tenta realizar um golpe de Estado. Pelo contrário, o Departamento de Estado exigiu a libertação imediata de Leopoldo López, o principal instigador dos acontecimentos dramáticos.

24. Os meios de comunicação ocidentais ocultaram os actos violentos dos grupúsculos armados (o metro e edifícios públicos saqueados, as lojas Mercal – onde o povo se abastece de alimentos! – queimadas), assim como o facto de a televisão pública, Venezolana de Televisión (VTV), ter sido atacada com armas de fogo.

25. Os meios de comunicação ocidentais, longe de apresentar os acontecimentos dramáticos, ocorridos na Venezuela, com toda a imparcialidade, tomaram partido a favor da oposição golpista e contra o governo democrático e legítimo de Nicolás Maduro. Não vacilam em manipular a opinião pública e apresentam a situação como um levantamento popular maciço contra o poder. Na realidade, Maduro dispõe do apoio da maioria dos venezuelanos, como o ilustram as manifestações gigantescas a favor da Revolução Bolivariana.

 

* Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Sorbone-Paris IV. É professor titular da Universidade de La Réunion e jornalista, especialista das relações entre Cuba e os Estados Unidos. O seu ultimo livro intitula-se Cuba. Les medias face au défi de l’impartialité, Paris, Ed. Estrella, 2013, com um prólogo de Eduardo Galeano.

 

 
 

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014


QUE DIFERENÇA HÁ (OU DEVERIA HAVER) ENTRE POLÍTICAS DE ESQUERDA E DE DIREITA

Por Vicenç Navarro*

Existe uma percepção generalizada, nos maiores meios de informação e na cultura geral do país, de que a divisão das sensibilidades políticas se baseia nas políticas que se propõem relativamente ao Estado e ao sector público. Assume-se que a esquerda está a favor da intervenção do Estado e da expansão do sector público e que a direita está a favor do mercado e do sector privado. É característico das forças conservadoras e neoliberais (aquilo a que, em Espanha, incluindo a Catalunha, se chama direita) acusar a esquerda de “estatalismo” e de depender excessivamente do Estado e da despesa pública. Pareceria, à primeira vista, que os dados facilitam esta percepção. Uma das características da esquerda tem sido a sua maior sensibilidade social, traduzida no seu maior apoio, por exemplo, aos gastos públicos sociais.
Mas, se olharmos com maior pormenor para a relação do Estado com, por exemplo, a economia, vemos, rapidamente, que esta percepção não se justifica. Uma das maiores intervenções do Estado que vimos nestes últimos anos foi precisamente a maciça ajuda financeira do Estado à banca, às companhias de seguros e ao sector imobiliário, o que, na cultura anglossaxónica se chama FIRE, incêndio, em inglês, e que resulta de juntar as primeiras letras de Finance (Finanças), Insurance (Seguradoras) e Real Estate (Imobiliárias). Nunca se tinha visto, na história recente, tanto apoio público (ou, empregando uma terminologia que a direita utiliza, beneficência) a um grupo social como ao capital financeiro, que inclui, em lugar proeminente, a banca.

A direita não é anti-Estado
Na realidade, em todas as sociedades capitalistas, o Estado joga um papel fundamental dentro de cada sector da actividade económica. Nos Estados Unidos, uma das administrações que se consideram e autodefiniram como mais liberais – a administração presidida pelo senhor Reagan – foi uma das mais intervencionistas que jamais houve na história dos EUA (desde o fim da 2ª Guerra Mundial). A despesa pública, durante o seu mandato, aumentou como não havia aumentado sob nenhuma outra administração e a intervenção estatal aumentou enormemente, reforçando, ainda mais, o papel central que o Estado tem na economia dos Estados Unidos (o presidente Reagan foi quem mais subiu a despesa militar, depois da 2ª Guerra Mundial).

Desconhece-se, na Europa, que o Estado Federal dos Estados Unidos é o Estado que tem a política industrial mais avançada de todos os países da OCDE. E fá-lo através da despesa militar, que tem um papel-chave na economia daquele país. E a todos os níveis. Desde a internet até ao telemóvel (e muitos mais equipamentos de tecnologia electrónica e de comunicação), estão todos baseados no conhecimento, gerado e financiado com fundos públicos, de carácter militar. A Apple não existiria se não tivesse existido o Departamento de Defesa, que financiou a investigação básica, que a Apple utilizou e comercializou mais tarde. E acontece o mesmo numa maioria dos novos desenvolvimentos elecrónicos.

Parte deste aumento da despesa pública militar fez-se, também, à custa de cortes na despesa pública social. Os dados estão aí para quem quiser ver. O tema-chave, pois, não é Estado sim ou Estado não, ou despesa pública sim ou não, mas a quem é que o Estado serve. Hoje, a evidência é esmagadora: o Estado está profundamente influenciado pelo capital financeiro (banca, companhias de seguros, hedge funds e uma longa lista de instrumentos que manejam dinheiro), assim como pelos interesses de uma minoria da população, que obtém os seus recursos da propriedade do capital, que gera rendas, incluindo os proprietários e gestores do grande capital, seja este financeiro, industrial ou de serviços.

Qual deveria ser a linha divisória entre a esquerda e a direita?

Fazer esta pergunta é perguntar o que é que existe no capitalismo que dificulta e/ou obstaculiza o desenvolvimento humano. E o ponto-chave não é tanto o tipo de propriedade (pública ou privada), mas o objectivo da dita propriedade e da sua função e objectivo. No capitalismo existente, a propriedade tem como objectivo principal proporcionar lucros ao seu proprietário, o qual tem o poder de definir o dito objectivo, objectivo que pode ou não servir o bem comum. Quando os banqueiros, no intuito de optimizar os seus lucros, desenvolvem as práticas especulativas que criaram a crise financeira, arruinando a vida e o bem-estar da população, estavam a actuar segundo o princípio capitalista de pôr a acumulação de capital, os proprietários do capital, como o seu objectivo principal, sem considerar os malefícios para a sociedade. O que aconteceu mostra claramente o erro de antepor o objectivo da acumulação de capital acima do bem comum. Este é um dos maiores problemas existentes no capitalismo.
As diferentes tradições socialistas (chamem-se socialistas, social-democratas, comunistas ou anarco-sindicalistas) caracterizaram-se, precisamente, por se identificarem com a luta para conseguir o bam-estar da população e, muito especialmente, das classes populares, pondo a propriedade ao serviço do bem comum. Este bem comum exige pôr o bem-estar d população como objectivo final, mediante o contributo necessário, segundo os meios e os recursos de cada um. O famoso preceito “de cada um segundo a sua capacidade e a cada um segundo a sua necessidade” é um princípio que sintetiza muito bem a ética e cultura de esquerda e sublinha que o objectivo da economia, por exemplo, não é a acumulação de capital, mas o desenvolvimento do potencial de cada ser humano, respondendo às suas necessidades.

A democracia como objectivo
Agora, a outra diferença está na identificação de quem define estas necessidades. De novo, a direita crê que é o cliente, através do mercado, quem define estas necessidades. O mercado é quem configura o carácter e uso da propriedade. A esquerda, historicamente, considerou que deveria ser a própria população, não individualmente através do mercado, mas, colectivamente, através das instituições democráticas, quem definia essas necessidades. A consequência disso é, em geral, a esquerda, nos países democráticos, ter sido mais sensível e exigente no desenvolvimento das instituições democráticas do que a direita. Em Espanha, o exemplo disso é claro e a evidência contundente. E isso deve-se a que o compromisso que a direita tem com o objectivo da propriedade (aumentar a acumulação de capital) entra em conflito com o princípio democrático. O capitalismo dificulta e, inclusive, impossibilita o desenvolvimento da democracia,pois a concentração de capital determina a captura das instituições democráticas (e os meios de informação e persuação) por parte deste capital, tal como estamos a ver, hoje, claramente, em Espanha e na União Europeia. Olhe-se como se olhar, a acumulação do capital torna impossível ou limita a expressão democrática. Os Estados Unidos, o país com maior influência do capital e com maiores desigualdades, é dos países menos democráticos (mais de metade dos congressistas são milionários). E, por outro lado, os países escandinavos com menores desigualdades são os que têm uma maior expressão democrática.

E isto leva-me ao último ponto da diferença entre a esquerda e a direita: a definição do significado de democracia e a sua expressão política. Hoje, a imensa maioria das esquerdas, nos países com elevado nível de desenvolvimento económico, não baseia a sua estratégia no assalto ao Palácio de Inverno, no ano A, dia D, hora H, pelo partido revolucionário armado, pois aceitam a via democrática. Mas, há muitas maneiras de interpretar a democracia. A mais generalizada é a via representativa, que se expressa através das instituições representativas (os parlamentos, como máxima expressão), baseando-se no princípio de que cada cidadão deve ter a mesma capacidade decisória na governação do país, expressa através de processos eleitorais. Um voto, igualmente determinante, para cada cidadão. O maior problema com essa via é que, praticamente em nenhum sistema democrático, o dito princípio é aplicado. Quase não existem sistemas parlamentares autenticamente proporcionais. E isso não acontece por acaso. Quanto maior é a influência do capital, menor é a proporcionalidade, pois o objectivo do capital é diminuir, por todos os meios possíveis, esse princípio democrático. Os EUA e Espanha, com o seu bipartidismo (que favorece sempre a direita), são claros exemplos disso.
Democracia não é só votar de quatro em quatro anos

Mas, outra limitação do sistema representativo, além da falta de diversidade mediática (limitada pela enorme influência do capital), é a tendência para a profissionalização da política e o aparecimento de uma classe política, que age no seu próprio interesse e reduz a política à “politiquice entre as elites governantes dos partidos”, limitando a participação cidadã ao voto de quatro em quatro anos. A democracia representativa, inclusive a proporcional, é insuficiente. Requere-se, além da democratização da democracia representativa, a democracia directa, através da participação activa dos cidadãos, constante e directamente, não só na governação do país, mas, também, na gestão dos locais de trabalho, dos bairros, dos locais de ócio e onde quer que existam actividades colectivas. E isto não quer dizer (como, maldosamente, a direita diz) “estatalismo”, mas participação cidadã. Os referendos (direito a decidir), uma das formas de democracia directa mais comum, devem ser utilizados, amplamente, em qualquer sistema democrático, em todos os níveis de governo. Democracia e bem-estar e qualidade de vida são, pois, as duas dimensões-chave que deveriam definir a esquerda. Democracia como fim e democracia como estratégia.
Haverá, sem dúvida, uma enorme resistência por parte do Estado, influenciado enormemente pelas forças conservadoras, que utilizarão todo o tipo de repressão e violência provocadora. E é extremamente importante não responder a estas provocações com a força física. A violência é extremamente reaccionária, porque distancia a esquerda da população (que condena sempre a violência). Hoje, a grande maioria da população está de acordo com os princípios-chave que a esquerda defende (ou deveria defender), isto é, está de acordo com a necessidade de redefinir a democracia, recusando este Estado actual, herdeiro da Transição pouco exemplar, que deu lugar a um Estado escassamente democrático, corrupto e cooptado por interesses financeiros e económicos. Nada menos que cerca de 80% da população espanhola está de acordo com a máxima do recente movimento 15-M “Não nos representam”. Daí a urgência em manter este apoio popular, do qual a esquerda deriva o seu poder. E mais de 86% da população está, também, de acordo com a ideia de que o Estado não está a servir os cidadãos nas suas necessidades quotidianas.

É aí, precisamente, onde a esquerda deveria centrar os seus esforços. A esquerda teria que centrar-se em fazer propostas reais de resolução para solucionar os problemas que angustiam as classes populares deste país, guiando-se pelos princípios socialistas, que indiquei anteriormente. Quando se  estabelece um serviço nacional de saúde, encaminhado a responder às necessidades da população, definidas por ela mesma, e financiado com impostos progressivos, está a caminhar-se para o socialismo, independentemente de como se chame. A grande maioria da população está de acordo com esta medida. Quando se está a destruir um serviço nacional de saúde, substituindo-o por companhias de seguros ou de gestão privadas, que têm como objectivo aumentar os seus lucros, está a destruir-se o socialismo e a construir o capitalismo.
Não aconselho, portanto, a que se pretenda patrimonializar estas mudanças, pondo-lhes uma etiqueta. Utilizar termos e narrativas genéricas como “anticapitalismo” ou “socialismo” tem pouco sentido quando nos distancia dos cidadãos, ou quando isso é percepcionado como excluente. Há que ser consciente de que nenhuma das revoluções socialistas, no século XX, desde a revolução bolchevique à cubana ou chinesa, mobilizaram a população com o apelo ao socialismo. O que mobilizou a população foram propostas reais, imediatas, que conectavam com a vida diária (o desejo de paz, da reforma agrágria, do fim da ditadura). Foi a rigidez do sistema autoritário, existente naqueles países, que, face a esta petição de reformas, criou o seu colapso. As revoluções não se fazem pedindo a revolução, mas pedindo programas reformistas que, ao não poderem realizar-se, determinam mobilizações populares, que exigem o fim dos regimes autoritários ou escassamente democráticos. E é esta a situação actual.



O original deste artigo pode encontrar-se em www.vnavarro.org
* Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona. Foi Catedrático de Economia Aplicada, na Universidade de Barcelona. É também professor de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University (Baltimore, EUA), onde foi docente durante 35 anos. Dirige o programa Políticas Públicas e Sociais, patrocinado conjuntamente pela Universidade Pompeu Fabra e The Johns Hopkins University. Dirige, igualmente, o Observatório Social de Espanha.

 

domingo, 23 de fevereiro de 2014

 
Manipulação da opinião pública sobre o que se passa na Venezuela

 
Este tweet é de um tal @Jonathan_Mora, que mostra a brutal foto de oito cadáveres, tirada em Aleppo, na Síria, em Julho de 2012, dizendo "Necessitamos que esta foto dê a volta ao mundo! Estudantes mortos em Maracay!":

 
El autor de este tweet, con una foto de Siria, después alardeó de que Reuters publicó su impostura.
 
Alfredo d Jesús Viso escreve dois tweets com imagens dos protestos de estudantes universitários, no Chile, em 2012, dizendo: "#SOS Repressão na #Venezuela# Urgente que esta foto dê a volta ao mundo"12FVenezuelaPaLaCalle#Cuba" e "Atenção: Forte Repressão na #Venezuela contra protestos estudantis #Cuba":
 

Venezuela tweet falso Chile
 
 
Esteban Gerbasi, opositor venezuelano,  recorreu à imagem de uma acção da polícia de choque, no Brasil, de 29 de Junho de 2013, afirmando: "#OPovoNaRua;Ditadura!":
 
Venezuela tweet falso Chile


 
A mais brutal de todas estas manipulações, a de uma foto de cadáveres de bebés dentro de caixas, tirada num hospital público das Honduras, em Novembro de 2012. Aautora do tweet, Idania Chirinos, que se diz "jornalista venezuelana, comprometida com a luta pela DEMOCRACIA"... Aqui, ali, onde for! Directora de conteúdos da NTN24", escreve: "Isto é Venezuela... é o Hospital Central de Maracay!! De que revolução falamos?":
 
 
Venezuela tweet falso Honduras
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 


 
Pedro Alvarez, outro opositor, apresenta a foto de um presumível colaborador da ETA, Unai Romano Igartua, quando entrou na prisão de Soto del Real, depois de ter sido preso pela Guardia Civil espanhola, em 7 de Setembro de 2001. E diz: "Humanistas" pacífios do Criminosos fascista Assassino Regime do PSUV. Merecem perdão?--"
 
 
Venezuela tweet falso Euskadi
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
A cadeia humana, organizada na Catalunha, em 11 de Setembro de 2013, passou, neste tweet, a situar-se em Tachira, região da Venezuela, fronteira com a Colômbia:
 
Venezuela tweet falso Catalunya
 
 
 Esta notícia foi retirada de www.publico.es , de 22-2.2014

 Será destes tweets que os meios de comunicação portugueses tiram as suas informações sobre a "repressão" exercida pelo governo venezuelano contra os manifestantes?

Não saberão os meios de comunicação portugueses a razão verdadeira pela qual o governo da Venezuela teve de anular as credenciais a três jornalistas da CNN?

E por que razão o canal de televisão TELESUR, cujo sinal sempre recebi, através do satélite da ZON, foi desactivado desde ontem? Será a TELESUR incómoda, visto transmitir notícias e reportagens, em directo, dos acontecimentos na Venezuela? Será que não podemos saber a verdade sobre o que realmente se passa naquele país, como, por exemplo, que a falta de alguns produtos se deve ao açambarcamento, feito por alguns comerciantes, com o intuito de virar o povo contra o governo ou que o limite de 30% (e não 1000% e mais, como acontecia) nas margens de lucro, não ter deixado nada contentes esses mesmos comerciantes?

Além de a Venezuela ter a maior reserva de petróleo de todos os países produtores é, também, um "mau" exemplo que é preciso sufocar. É que o "pátio traseiro" dos Estados Unidos e o maná da exploração desenfreada por empresas europeias está a ficar cada vez mais reduzido, com muitos povos latino-americanos a dizer que o que está nos seus países lhes pertence e que são eles quem deve decidir do seu presente e do seu futuro.

A Venezuela tem ainda muitos problemas por resolver. No entanto, segundo um relatório da UNESCO, já ocupa o 5º lugar, a nível mundial, no que diz respeito à percentagem de estudantes universitários, com 83%, não estando muito longe da Finlândia (92%). Claro que a educação universitária, neste país, é gratuita, o que é um dos muitos "maus" exemplos.

 
 



sábado, 22 de fevereiro de 2014


ESTE PAÍS É VOSSO

Por Concha Caballero*

Na minha família, todos sabemos, no presente, onde fica a Ilha Reunião. O seu nome estava anichado em algum lugar da nossa memória de estudantes do Secundário, mas, agora, sabemos localizar esse lugar com precisão. Em todas as casas, nomes de países e de cidades exóticas passaram a formar parte da vida quotidiana. Nunca pensámos que íamos aprender, novamente, geografia, à força de exílio. Tão-pouco chegámos a imaginar que o futuro começava numa sala de embarque, no corredor interminável de um aeroporto próximo.
Respirámos, aliviados, quando os nossos jovens venceram os vendavais da adolescência e se concentraram nos estudos. Eles, pela sua parte, tiveram que lidar com as próprias decisões, batalhar, muitas vezes, contra o desejo de projectar neles as nossas vidas. Estudaram, formaram-se, acumularam títulos, mestrados, domínio de línguas. Foram formais, estudiosos, cumpridores, na antessala do seu futuro. Cumpriram perfeitamente o requisito de excelência que se lhes exigia, sem saberem que este país ia premiar-lhes o esforço com um bilhete de partida.

Agora, vão para a Ilha Reunião, para o Quebeque, para Sidney... E, se ainda não partiram, estão a pensar fazê-lo, procurando, afanosamente, na Internet, trocando informação com outros jovens sobre os melhores lugares fora do nosso país, das nossas vidas e do nosso presente. Mesmo os que ficam, já não estão aqui. Ao finalizar o curso, um cartaz invisível de “Game over” é colocado nas suas vidas e o nível de jogo seguinte consiste em encontrar uma porta de saída, para lá das nossas fronteiras
Mentalmente, deixaram de ser cidadãos deste país, que não os quer, que prescinde deles como de um luxo desnecessário. Voltarão, dizem-nos, quando as coisas melhorarem no nosso país, mas, a pergunta que me ocorre é: Quem, se não eles, fará as mudanças necessárias? Que espécie de futuro poderemos conseguir, sem a energia e a força da juventude que vai vivê-lo?

Não há uma única mudança social importante que tenha sido feita sem o protagonismo dos jovens. A democracia, no nosso país, não foi trazida por uns quantos senhores engravatados e um rei condescendente, mas por milhares de jovens, que fizeram da liberdade a sua bandeira, a sua forma de vida e um sonho que não podeia ser roubado. Até na sua forma de vestir, na música que ouviam, na maneira de se relacionarem, converteram-se numa onda de ar fresco, que acabou com a ditadura. Os engravatados e reis não só não nos deram a liberdade, como impuseram limites, pactos e fronteiras ao sonho.
Este país não é um negócio ruinoso que deva permanecer nas mãos dos mesmos que nos levaram ao desastre. Se há alguém que deva sair da nossa terra são os que fizeram da nossa economia um jogo de casino, os que depreciaram a ciência, a tecnologia, o meio ambiente e a cultura. Eles que partam! Mas, não nós.

A vossa saída da crise não está ao dobrar da esquina. A deles, sim. Recuperarão a taxa de lucro à custa de empobrecer os salários. Assenhorar-se-ão dos serviços públicos, para convertê-los em negócio. Proclamarão o fim dos direitos sociais e do Estado de bem-estar. Dir-vos-ão que isto não é da vossa incumbência, que são medidas conjunturais, provocadas pela crise, mas, na realidade, enquanto vocês procuram, na Internet, um país onde se protejam do aguaceiro, eles desenham a Espanha que vocês encontrarão no regresso, construída com os piores materiais do passado.
Este país é vosso. É necessário dizê-lo, gritá-lo, imprimi-lo, porque vos foi roubado. Fizeram-nos aceitar, com naturalidade, a vossa fuga, para que não participeis no desenho do futuro. A vossa história individual é colectiva. A vossa maleta é a de toda uma geração. O vosso caminhar pelas salas de embarque, uma marcha multitudinária. Os vossos passos calados, um ruído ensurdecedor. A vossa dor pessoal, uma ferida colectiva. Por isso, se puderdes, correi com eles. No fim de contas, são eles quem não tem pátria.



Texto publicado em El País Andalucía
O original encontra-se no blogue da autora em www.ideasconchacaballero.blogspot.com

 * Actualmente é professora de Língua e Literatura Tem uma coluna semanal em El País. Participa no programa Hoy por Hoy, da rádio SER e na Tertúlia de Buenos Días, no Canal Sur Televisión.

 

 

 

domingo, 16 de fevereiro de 2014


Passos Coelho ganhou as eleições com mentiras e, com mentiras, pretende ganhar as próximas, sobretudo as de 2015.
Assim, o ministro da Economia veio dizer que estávamos a assistir a “um milagre económico” e, na última semana, foram deitados foguetes quando o INE divulgou uns dados provisórios (os definitivos só em Março estarão prontos) a apontar para um crescimento de 0,5% do PIB, no último trimestre de 2013, relativamente ao trimestre anterior.

Numa outra mentira, Passos Coelho afirmou, no Parlamento, que o governo nunca havia falado em “milagre económico”. É claro que não lhe interessa falar nesses termos, não vá os trabalhadores exigirem a parte que lhes caberia nesse aumento da riqueza, o que, aliás, deveríamos já fazer em relação ao aumento das exportações.
Mas, entrámos, definitivamente, na grande aldrabice, cozinhada, aliás, na UE, isto é, por quem ali manda – Merkel & Draghi, Draghi & Merkel – e apresentada pelos criados de serviço, nos países sujeitos à intervenção estrangeira e à especulação sobre as respectivas dívidas soberanas.

Deste modo, a festa não é feita apenas em Portugal, mas, também, na Grécia e em Espanha, onde se registou, dizem os lacaios de lá, um crescimento do PIB e que estão a sair da recessão.
No texto que se segue, o economista espanhol Eduardo Garzón explica-nos, com clareza, a falácia deste suposto crescimento.

Em Portugal, outros dados do INE confirmam que, desde 2008, perdemos 6,9% do PIB (-2,9% em 2009 e, nos três últimos anos, de 2011 a 2013, sucessivamente -1,3%, -3,2%,  -1,4%).
Se, a estas percentagens de perda de riqueza juntarmos a da dívida – 130% do PIB – e a última taxa de juro (5,1%), que os mercados especuladores vão cobrar por mais uma emissão de dívida, vemos bem o buraco onde nos meteram e que nos querem esconder.


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 NO ÚLTIMO TRIMESTRE, O PIB DE ESPANHA CRESCEU 0,3%. MUITO BEM. E DEPOIS?
Por Eduardo Garzón

Quando falamos de crescimento de uma economia, podemos imaginar que é como o crescimento de um balão de material flexível e cheio de ar. À medida que há mais transacções económicas, o volume da economia cresce. Da mesma forma, à medida que se introduz mais ar no balão, o seu volume cresce. Se se falar de um crescimento de 3% ao ano, o que se está a dizer é que o volume do balão tem que aumentar, todos os anos, 3 unidades de volume de cada 100 que tem nesse momento. Por isso, quanto maior for o balão, mais custará fazer com que continue a crescer, porque haverá que introduzir mais ar, para que volte a ganhar 3% do seu tamanho crescente. Trata-se, nem mais, nem menos, de um crescimento exponencial. Precisamente por isso, crescer 3% quando o balão é pequeno é muito fácil, mas crescer 3% quando o balão é grande é mais difícil.
Desde que começou a crise económica, em 2008, a economia espanhola perdeu 5,4% do seu tamanho, o que supõe uma queda muito importante. O balão desinchou bastante e, por isso, agora, é mais fácil que volte a ganhar algum volume: ao fim e ao cabo, este percurso já foi feito uma vez (o material flexível do balão, já, antes, experimentou e suportou esta tensão, pelo que poderá, facilmente, voltar a fazê-lo). É por isso, exactamente, que, no último trimestre de 2013, o facto de a economia ter aumentado 0,3%, relativamente ao trimestre anterior, está dentro do normal e do compreensível. O preocupante seria que continuasse a cair!
Mas, não podemos esquecer que o cálculo do PIB enferma de importantes deficiências. O PIB não é senão a quantidade de transacções que se produzem em todos os âmbitos de uma economia. Calcular quantas vezes o dinheiro mudou de mãos é impossível, porque ninguém pode estar em todos os cantos de uma economia a registar o número de transacções. Portanto, a estimativa do PIB realiza-se através de aproximações de tipo estatístico, utilizando umas quantas operações económicas importantes, como, por exemplo, as vendas realizadas por algumas empresas ou o que o Estado arrecada em impostos, etc. O resultado final não é, portanto, um número exacto, que resuma perfeitamente o tamanho da economia, mas uma valoração, muito por estimativas e com amplas margens de erro. Por consequência, que a economia cresça 0,3% ou que não cresça nada é praticamente o mesmo. Três décimas percentuais entram perfeitamente nessa margem de erro com que os estatísticos jogam para construir o indicador, podendo esticá-lo, consciente ou inconscientemente, para um lado ou para outro. Estas pessoas devem partir-se a rir quando vêem os governantes ou qualquer outra pessoa a alegrar-se infinitamente por a economia espanhola ter crescido 0,3%, em vez de não crescer nada.
Além disso, parece que nos esquecemos de que não é a primeira vez, durante esta crise, que o PIB cresce um pouco. Nos anos de 2010 e 2011, houve três trimestres em que a economia cresceu 0,2%, relativamentre ao trimestre anterior; houve outro trimestre em que cresceu 0,1% e outro em que a economia não cresceu nem caiu nada. Mas, desde que se conheça como se constrói o indicador do PIB, fica-se a saber que não há absolutamente nenhuma diferença entre todos esses crescimentos. Crescer 0,1%, 0,2% ou 0,3% é o mesmo que não crescer nada.
Enquanto a economia não alcançar ritmos superiores a, pelo menos, 1%, não se pode afirmar, com seriedade, que a economia está a crescer.
Por outro lado, é importante não perder de vista que o PIB não nos diz muito sobre o bem-estar da população e muito menos sobre como ele está repartido. Uma economia pode estar a crescer a ritmos importantes ou ter um PIB muito elevado e, ao mesmo tempo, ter uma boa parte da sua população condenada à fome ou à exclusão social. Um bom exemplo disso são os Estados-Unidos, que é a primeira economia do mundo em tamanho, mas que, ao mesmo tempo, se situa no posto número 120 em 160 do ranking de equidade na distribuição da riqueza, medida pelo índice de Gini.
Por tudo isto e ainda mais, o centro de atenção nunca deve ser este indicador tão imperfeito como é o do PIB, que pouco nos diz sobre o bem-estar material e social dos cidadãos. O que de verdade nos deve importar é a taxa de desemprego, a quantidade de salários que se paga, a quantidade de investimento público na saúde, na educação ou na cultura, a quantidade de prestações sociais como o subsídio de desemprego, pensões ou ajuda às pessoas dependentes de terceiros, os níveis de desigualdade, o preço da electricidade, dos transportes, dos medicamentos, dos alimentos, da habitação, da gasolina ou da água, etc. E como, precisamente, a evolução de todos estes elementos não melhora, mas, pelo contrário, tende a piorar, não podemos fazer outra coisa que não seja indignarmo-nos profundamente quando nos vendem como uma excelente notícia a de que o PIB da economia cresceu 0,3%.

 O original encontra-se em www.andaluces.es
 

 

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014


A VENEZUELA NÃO TERÁ DESCANSO

Por Alejandro Fierro*

O sossego político não existe na Venezuela. Quando se avizinhavam dois anos de relativa calma, sem eleições no horizonte e com Nicolás Maduro consolidado na sua liderança, após o indiscutível triunfo chavista, nas eleições municipais de 8 de Dezembro, a tensão volta a disparar nas ruas do país. Três pessoas resultaram mortas, nas manifestações convocadas, ontem, pela oposição.
Sem se ter confirmado ainda as circunstâncias das mortes, os meios de comunicação apressaram-se a difundir a crónica de uns jovens pacíficos que, manifestando-se a pedir liberdade, são reprimidos e assassinados pelas forças da ordem do governo. Confirmou-se, depois, que nenhuma das mortes foi devida à acção policial, mas a tiroteios entre civis. Um dos falecidos é um militante chavista, outro é um estudante afim à oposição e do terceiro ainda não foi revelada a identidade. Os convocantes não conseguiram a fotografia que tanto queriam, a de polícias a assassinar jovens. Nem sequer a bater-lhes, como sucede em Espanha. A evidente eficácia desta e de outras canhestras manipulações explica-se pelo enorme potencial mediático da direita venezuelana, que controla 85% da imprensa do país e conta com o apoio de praticamente todos os meios de comunicação internacionais.

Para além da desinformação, os acontecimentos de ontem reflectem o facto de a oposição voltar a optar pela via da desestabilização, como já fez com o golpe de Estado de 2002, ou depois das eleições de 14 de Abril do ano passado, quando se negaram a reconhecer o triunfo de Nicolás Maduro e incentivaram distúrbios, que se saldaram com o assassinato de onze simpatizantes chavistas. Nos dias anteriores às manifestações, as declarações dos dirigentes opositores passaram do apoio aos estudantes a reconhecer, descaradamente, que se tratava de derrubar o Governo. Vozes significativas do chavismo pediram a Nicolás Maduro que proibisse as marchas. Este, num exercício de coerência democrática, negou-se a fazê-lo.
Henrique Capriles e a sua proposta de assaltar o poder através das urnas estão definitivamente amortizados. A derrota nas municipais de Dezembro, que o próprio Capriles tinha apresentado como plebiscito a Maduro, pôs fim à sua etapa como líder da oposição. Agora, irrompeu com força um sector duro, relativamente jovem, partidário da confrontação directa na rua e profundamentre neoliberal, política e economicamente. As suas caras mais visíveis são María Corina Machado, deputada da Assembleia Nacional, e Leopoldo López, ex-presidente da Câmara de Chacao, um dos municípios em que se divide Caracas. Este último está inabilitado para exercer cargos públicos por um delito de tráfico de influências e conflito de interesses, embora o período de inabilitação finalize este ano. Depois dos incidentes, ambos confirmaram que manterão a estratégia de mobilizações de rua e culparam o governo dos assassinatos, apesar de não apresentarem prova desta afirmação.

O protagonismo desta ala radical é uma má notícia, não só para a direita, mas para toda a Venezuela. O chavismo necessita de um contraponto com o qual debater e alcançar consensos sobre os principais assuntos do país. Assim o pediu, várias vezes, o falecido Hugo Chávez e Maduro voltou, também, a recordá-lo. Contudo, os elementos mais dialogantes do espectro da oposição estão a ser encurralados por esta facção e põe-se em perigo a normalização democrática que, de alguma maneira, a direita tinha iniciado, ao ir às reuniões, convocadas pelo presidente Maduro, para tratar de temas como a insegurança ou a política municipal. Com efeito, até o próprio Capriles assistiu a um destes encontros, reconhecendo, de facto, a legitimidade de Maduro, legitimidade que lhe havia negado ao não aceitar os resultados de 14 de Abril.
A Venezuela não terá descanso. O que se dirime no país não é uma partilha do poder sob um mesmo sistema, mas a natureza do próprio sistema. De um lado, uma opção que alcançou incontestáveis resultados na luta contra a pobreza, na equidade social e extensão de direitos e que, por isso, obteve a maioria em 18 das 19 eleições que se realizaram, desde a sua chegada ao poder, em 1999. Do outro lado, um neoliberalismo que vê como se estreita a sua margem para fazer negócios, desde o petróleo à saúde e que, no contexto internacional, não pode permitir que o exemplo venezuelano encontre eco noutros países, especialmente naqueles que estão a ser fustigados pelas políticas de ajustamento. Por isso, não deixarão a Venezuela em paz.

 
* Jornalista e membro do Centro de Estudios Políticos y Sociales (CEPS)

O original pode encontrar-se em www.publico.es

 

 

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Já aqui se falou de Evo Morales, o Presidente da Bolívia, dos atentados à sua vida e do silêncio gerado, nos meios de desinformação, sobre o que se passa naquele país. 
Hoje, transcrevo uma notícia do Le Monde Diplomatique - Edição Portuguesa, deste mês de Fevereiro, que, por sua vez, foi retirada do Report on the Americas, de 4 de Janeiro.

No Natal, os trabalhadores bolivianos receberam um presente inesperado: o pagamento de um mês de salário suplementar, exigido pelo presidente Evo Morales a 20 de Novembro de 2013. A medida, que acresce ao décimo terceiro mês inscrito na lei, e que é comum à maior parte dos países latino-americanos, representa um duplo bónus de cerca de 17%, ou seja, o pagamento de um triplo salário no fim do ano. Segundo as autoridades, o duplo bónus será pago aos assalariados do sector público e privado, não apenas em 2013, mas em todos os anos em que o crescimento ultrapassar os 4,5%. O governo apresenta a sua decisão como um mecanismo de redistribuição destinado a socializar os lucros e a permitir que os trabalhadores beneficiem do boom económico de que são responsáveis.
 
 

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014


OS ECONOMISTAS IMPARCIAIS

 Desde que a chamada “crise” começou, o nosso vocabulário tem-se alargado consideravelmente com “défice estrutural”, “dívida soberana”, “swap”, “parcerias público-privadas”, e, também, “reformas estruturais”, mais conhecidas e sofridas como cortes na Saúde, Educação, salários, pensões, etc, etc.
Para que nós, leigos nas complicadas e difíceis ciências desta área do saber, percebamos os quem, como, quando, onde e porquê de o défice e a dívida aumentarem, os contratos swap e parcerias público-privadas não serem anulados e, ao mesmo tempo, termos que empobrecer, emigrar e ir à sopa dos pobres, há umas sumidades na matéria que nos esclarecem.

Todos os dias, um professor catedrático, um economista prestigiado, vem à televisão, rádio e jornais tornar linear o que parecia uma equação irresolúvel, concluindo que não há alternativa e que as medidas do governo trarão a felicidade a um país próspero.
Os mais cépticos, que desesparávamos a olhar o fundo cada vez mais negro do túnel e a achar que a luz, avistada por alguns, é a do comboio a vir-nos trocidar, acabamos por acreditar na explicação, já que ela é dada por gente independente, imparcial, apenas imbuída do rigor académico.

Mas, entretanto, vão chegando notícias que nos devolvem a dúvida:
- O número de multimilionários aumenta, assim como a fortuna dos que já eram;

- 510 milhões entregues ao BPN, depois de ter sido vendido;
- 2.200 milhões (1,35% do PIB), distribuídos a quem está com a corda na garganta, à porta da falência, como a Mota-Engil (8 milhões), a Federação Portuguesa de Futebol (9 milhões), porque há que dar circo ao povinho que, do pão se encarregam as IPSS, maioritariamente da Igreja Católica, levando 1.300 milhões destas subvenções públicas. E digam lá se o gaguinho do Ministério da Caridade não é generoso, bom pai de família e temente a Deus.!

Nesta altura, começamos a duvidar da sabedoria daqueles que nos são apresentados, só e apenas, como grandes economistas e professores de mérito: Serão, afinal, estúpidos? Será que tiraram o curso numa semana ou obtiveram o diploma a um Domingo? Onde é que eles ensinam, na Universidade de Alcabideche?
Nenhuma destas hipóteses é plausível, como já está mais que provado. Por isso, quisemos saber de onde vêm e o que fazem.

Vejamos 4 exemplos dos génios mais cotados nos meios de comunicação social. Apresentaremos o título com que os jornalistas servis apresentam a criatura e, depois, os interesses, que os próprios deveriam acrescentar, por honestidade, e calam.
Com um pouco de paciência, tempo, internet e o precioso livrinho de Gustavo Sampaio, Os Privilegiados, recolhem-se informações complementares, a que daremos o título de “Declaração de Interesses”:


Vítor Bento;
- Licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), da Universidade Técnica de Lisboa; Quadro do Banco de Portugal; Conselheiro de Estado, escolhido por Cavaco Silva para substituir Dias Loureiro.

Declaração de interesses:
- Presidente do Conselho de Administração da Sociedade Interbancária de Serviços, SA (SIBS), gestora da rede Multibanco, que cobra as taxas aos comerciantes pela utilização do seu sistema de pagamentos electrónicos e penaliza os consumidores de mais baixos recursos, não lhes passando cartão (literalmente).

- Administrador da VISA, a dos outros cartões de débito e crédito.

- Vogal do Conselho de Administração da GALP ENERGIA, uma das empresas que recebem rendas excessivas do Estado, excessivas nas próprias palavras da troika estrangeira.


Daniel Bessa:
- Ex-ministro socialista, mas, há muito, afastado da política partidária. Doutorado em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Finanças, da Universidade Técnica de Lisboa.

Declaração de interesses:
- Presidente do Conselho Fiscal da SONAE

- Presidente do Conselho Fiscal da GALP ENERGIA
- Director-Geral da COTEC, associação empresarial para a inovação, com os seguintes projectos, já concluídos e patrocionados pela C.G.D., pela Agência Portuguesa para o Investimento e pelos CTT, quando ainda públicos:

            - Benchmarking de sistemas de prevenção e combate a incêndios florestais;
            - Apoio à prevenção e combate de incêndios florestais com base na cartografia do risco e perigosidade dos incêndios e em modelos de comportamento de fogos florestais;

            - Vigilância florestal, detecção e alerta de incêndios florestais e apoio a sistemas de combate.

(As famílias dos bombeiros mortos a combater os incêndios devem estar agradecidas a este trabalho, em triplicado, e aos dinheiros que saíram dos nossos bolsos para o financiar.)
 

João Duque
- Professor catedrático e Presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão, da Universidade Técnica de Lisboa.

Homem simples, vimos na televisão, de calças de ganga e ténis, conduzindo uma motorizada, como aquele outro do ministério da caridadezinha, o que fala aos soluços.

Declaração de interesses:
- Gestor do Instituto para o Desenvolvimento e Estudos Económicos, Financeiros e Empresariais, Lda, (IDEFE), empresa de consultadoria, cujo relatório de actividades não é público.

- Vogal da Comissão de Auditoria e da Comissão de Avaliação do Governo Societário da NOVABASE.

      NOVABASE – empresa especializada em software. “Explora (bem dito!) a área de bilhética” (enriquecimento de vocabulário...), isto é, tem como cliente o Estado, que lhe compra o software instalado nas maquinetas onde introduzimos os bilhetes dos transportes públicos, terrestres e fluviais.

E nada podemos dizer quanto ao protocolo de colaboração, assinado por João Duque e António Barreto, em representação, respectivamente, do ISEG e da Fundação Francisco Manuel dos Santos (o do Pingo Doce), pois a claúsula V do dito contrato impõe a ambas partes o comprometimento de “manter confidencial e a não divulgar de qualquer forma quaisquer dados, factos, informações, documentos ou outros elementos de que tenham conhecimento, no âmbito da colaboração, objecto do presente protocolo” Há toda a legitimidade em pensar que, ou há um segredo de Estado terrível, ou João Duque assessora Alexandre dos Santos na fuga aos impostos, aconselhando-o a mudar a sede para a Holanda.
 

Cantiga Esteves:
- Professor do Instituto Superior de Economia e gestão (ISEG), da Universidade Técnica de Lisboa (pelos vistos, uma canteira de sábios).

Declaração de interesses:
- Presidente da Ephi-Ciência Financeira, Lda, empresa de gestão de riscos financeiros. Tem como cliente o Ministério da Justiça (certamente para evitar o risco de se fazer justiça e mandar os corruptos para a prisão), o Instituto de Mercado de Capitais (IMC), além do IDEFE de João Duque (há que ajudar os amigos), o Banco Mundial, o BCP, o BBVA, a Telecel e a TSF do Baldaia.

- Com tão grande experiência e saber, o professor Cantiga dirige, a convite do governo, a comissão para a privatização dos CTT.

 
Conclusão
Para quem defende, em coro com o governo, que é preciso “menos Estado e melhor Estado”, nós percebemos, agora, a ideia: menos Estado para nós, melhor Estado para eles.

 

 

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014


A memória

 
Por Henrique Custódio


Desde o «Processo Casa Pia» que a expressão jurídica «Registo para memória futura» se tornou correntia.
Pois hoje convém ir fazendo «memória futura» da governação.

Aliás, esta «memória futura» devia reportar aos executivos constitucionais de Mário Soares, pois com ele e desde aí não houve um único primeiro-ministro (e respectivo governo) que não porfiasse dar a próxima machadada no regime jurídico-constitucional da Revolução de Abril. Desembaraçaram-se da Reforma Agrária e da nacionalização dos sectores estratégicos, devolveram o poder económico e político à banca, operaram a destruição do Código do Trabalho e dos serviços públicos básicos do Estado social – a Educação, a Saúde e a Segurança Social. Isto resumidamente.
Há aqui protagonistas: Soares «lançou as bases» da destruição, Cavaco destruiu o tecido produtivo nacional (que agora reclama, «atacando» como PR que é, o PM que foi), Guterres acentuou a dívida do Estado e Sócrates obteve uma maioria absoluta graças à paródia do governo Santana, para se lançar no mais violento ataque generalizado ao Estado social construído com Abril.

Esta política restauracionista conduziu à actual maioria Passos/Portas, que chegou ao poder com promessas de remir a política restauracionista de Sócrates, mas surgiu como assumida «Besta do Apocalipse» (Passos disse na tomada de posse que ia «impor um novo paradigma»).
Acoitando-se no «resgate da troika» (a que chamou «o seu programa de Governo», que iria «cumprir e ultrapassar»), Passos lançou-se num frenesim de medidas antidemocráticas, actuando imperialmente sobre a gleba impúdica. Foi o tempo de «deixar a zona de conforto», de «emigrar» e de «não ser lamechas». Relvas, enquanto crescia o escândalo do curso vigarizado, titilou variadas trafulhices nas «privatizações» em que se meteu, o que deu o tom à 1.ª fase da governação.

Depois foram chegando os orçamentos do Estado: o Governo apresentou-os sistematicamente inconstitucionais, que foram sendo chumbados, constituindo-se num factual «governo fora-da-lei» que, através dos OE, prosseguia freneticamente a destruição da Função Pública, das reformas e das pensões, das carreiras profissionais (professores, médicos, enfermeiros, polícias, magistrados e etc.), esmagando os trabalhadores sob um selvático confisco fiscal. Tudo feito num estado de mentira permanente, com o Governo carcomido por membros corruptos ou sob suspeita, enchendo a máquina do Estado de apaniguados incapazes, ignorantes e até imberbes – mas sempre bem pagos –, enquanto os teóricos da «mudança de paradigma» vão revelando, em cada decisão que tomam, a sua espessa impreparação, desprezo pela vida das pessoas e a mais sórdida falta de escrúpulos. Isto sempre mentindo, ao ponto de grassar no País uma indiferença geral pelo que o Governo diz.
Mas a memória revela-os – e há-de varrê-los.

In Avante!, 30-1-2014

 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014


O CASO BPN OU O PAÍS DO FAR-WEST

 
O BPN incorporava a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, constituída por mais de 200 empresas, que podem ser classificadas em três espécies:

 1 – As que geravam lucros;

2 – As que tinham prejuízos, por gestão incompetente;

3 – As que produziam, deliberadamente, prejuízos.

 O BPN, financiador de todas elas, absorvia a totalidade dos prejuízos. Mas, para esconder as vigarices, os génios do BPN, entre os muitos que abundam no nosso país, criaram um Banco, chamado “Insular de Cabo Verde” e até um outro com o mesmo nome, mas virtual, para esconder o volume astronómico de dinheiro passado aos amigos, que, em Novembro de 2008, ascendia a 700 milhões de euros.

 Em 2005, havia já suspeitas de o BPN estar envolvido em fraude fiscal e evasão de capitais. Por isso, a “Operação Furacão” levou os investigadores a fazer uma busca nas instalações do Banco, no dia 17 de Outubro de 2005.

Nada de nada. Tudo limpinho. Tinha havido fuga de informação e os documentos comprometedores estavam a salvo, segundo revelou, mais tarde, em 2011, uma testemunha do Ministério Público. Nessa altura, o DIAP já tinha  o processo arquivado desde 2007, por  “insuficiência de prova indiciária”.

 Desconfiava-se, há muito, que um Banco, relativamente pequeno, pudesse aumentar os seus lucros de 18 milhões, em 2000,  para 75 milhões, em 2006, “havendo indícios reiterados de práticas evasivas e negócios ruinosos, assim como um estado continuado de situações irregulares e casos danosos no banco”, segundo Miguel Cadilhe, que se interrogava, também, sobre a razão pela qual o Banco de Portugal não tinha averiguado a falta de resposta, do BPN, a 150 pedidos de esclarecimento.

 Por coinciência (esta malandra, sempre a meter-se onde não é chamada), o buraco sem fundo de branqueamento de capitais, gestão danosa, burla qualificada, falsificação de documentos e fraude fiscal foi sendo alargado durante os mandatos de Teixeira dos Santos e Vítor Constâncio à frente das entidades de supervisão bancária – CMVM e Banco de Portugal, respectivamente. O primeiro, de 2000 a 2005 e o último, de 2000 a 2009.

Em Novembro de 2008, Teixeira dos Santos, já ministro das Finanças do governo Sócrates, decide “nacionalizar” o Banco, depois de constatar que as várias injecções de dinheiro, nosso, feitas através da Caixa Geral de Depósitos e do Banco de Portugal (Constâncio ainda não tinha sido promovido a vice-presidente do BCE) apenas serviam para engrossar a bolha que ameaçava rebentar de vez, com a detenção de Oliveira e Costa em... Novembro de 2008.

Sabemos todos que esta  “nacionalização” abrangeu apenas o passivo do BPN e deixou os activos valiosos nas mãos dos accionistas da SLN, os mesmos que haviam desfalcado o Banco.

Agora, temos duas sociedades – a Parvalorem e a Parups -, destinadas a absorver o “lixo tóxico” do BPN e a guardar bem guardado os documentos relativos aos esquemas mafiosos, praticados durante anos.

Entretanto, a SLN, ou Galilei (foi apenas o nome que mudou...) vai de vento em popa, com contratos para superintender todas as comunicações de emergência em Portugal, ou empreender negócios como o da urbanização da Lagoa dos Salgados, no Algarve. Ou outros ainda mais rendosos, como veremos adiante.

Os espanhóis dizem que não acreditam em bruxas, mas que as há, há.

Nós também não acreditamos em bruxas, mas que elas vão aparecendo, vão. Neste caso, vêm em grupo uniforme, cor-de-laranja, dançando à volta de muitos milhões de euros.

 Há quem diga ser coincidência. Nós já referimos uma. E para não desgostar os crentes em bruxas e coincidências, aqui vai mais uma, ou umas, é à escolha:

 Alguns cavalheiros, pertencentes a este gangue, foram ministros do governo de Cavaco Silva: José Oliveira e Costa, Arlindo de Carvalho, Manuel Dias Loureiro. Este último, de especial confiança, já que nomeado para conselheiro de Estado e mantido nesse cargo pelo Presidente da República, Cavaco Silva, muitos meses depois de o escândalo do BPN ter rebentado.

 Soube-se, então, que este bom ex-ministro e conselheiro da pátria estava metido no roubo colectivo, de que faziam parte outros, menos conhecidos, mas envolvidos em negociatas como, por exemplo, levarem do BPN 19 milhões de euros para comprar um terreno, em Cascais, avaliado por menos de 4 milhões, ou 3,2 milhões para uns outros terrenos, em Almancil, onde supostamente iria aparecer um hotel, nunca autorizado.

 Na mesma altura, veio a lume a traficância de compra-venda de acções, mecanismo corrente no BPN, que drenou, desta forma, muito dinheiro para os bolsos de accionistas da SLN.

 Entre esses accionistas esteve, como é público, Cavaco Silva e a excelentíssima filha, de seu nome Patrícia.

 Em tribunal, o inspector tributário Paulo Jorge Silva, explicou bem explicado como o negócio entre aqueles dois e o BPN foi feito: Oliveira e Costa vendera a Cavaco Silva 100.360 acções e, à filha, 149.640, a 1 euro por acção. A perda para o Banco, nesta operação, foi de 1,10 euros em cada acção vendida.

 Um mês mais tarde, Cavaco Silva vende as mesmíssimas acções à mesmíssima SLN  por 2,40 euros cada acção. O lucro empochado foi de 147,5 mil euros para Cavaco e de 209,4 mil para Patrícia. O BPN perdeu, segundo contas do inspector-testemunha, 275 mil euros, nestas transacções.

 Não é muito, dirão alguns. É verdade, comparado aos 80 milhões que, segundo o DCIAP, Arlindo de Carvalho deve ao BPN, aquele é um roubo de pilha-galinhas.

 Também é verdade que Arlindo de Carvalho não tem a honra, como Cavaco tem, de partilhar a mesma rua, em vivendas principescas, na aldeia da Coelha, com os dois homens fortes da SLN, Fernando Fantasia e Oliveira e Costa.

 

EPÍLOGO

 
Em Maio de 2011, no pacto assinado entre a troika nacional e a estrangeira, ficou escrito que o BPN teria de ser vendido ou liquidado. Eram duas opções. Passos Coelho decidiu-se pela primeira, alegando que a liquidação do Banco ficaria muito cara aos portugueses.

Vejamos, então, como a “venda”  do BPN ao BIC ficou muito mais barata:

- Até 2012, a CGD injectou no BPN mais de 5.000 milhões de euros.

- Imediatamente antes da “venda”, foram transferidos para o BPN 1.000 milhões de euros.

- No acto de “venda”, foram entregues ao BIC 600 milhões.

- Em Março de 2012, a “venda” é concretizada por 40 milhões.

- Segundo a mais recente notícia, dada pela UTAU, saíram dos nossos bolsos para os do BIC mais 510 milhões de euros, durante o ano de 2013.

Mas, o que é este BIC? Não, não é a empresa de esferográficas. É algo muito mais rendoso para alguns portugueses e angolanos.

O BIC é propriedade, maioritariamente, de Isabel dos Santos, filha do Presidente de Angola, e de Américo Amorim, o senhor que passou para o 1º lugar na lista dos mais ricos de Portugal, em tempos de crise.

O presidente do BIC em Portugal é Mira Amaral, ex-ministro de Cavaco Silva (raio!, outra coincidência).

Mas, não, não é coincidência, são apenas as bruxas que, sem disfarce, nem vassoura, chegadas de Angola, aterraram em Lisboa e, nas festas de casamento por conveniência, mergulharam as mãos aduncas no caldeirão das privatizações, reprivatizações e mais negociatas mal-cheirosas.

Para que estes casamentos fossem perfeitos, os cônjuges portugueses, além de oferecerem ao BIC, como dote, o BPN, limpinho e escovado, ainda salvaguardaram a SLN, ou Galilei, como se chama agora, e que continua a fazer as suas boas negociatas. E as melhores, pasme-se!, estão em Angola, nos petróleos, sobretudo, mas também em coisas menores como cimentos, exploração de calcário e gesso ou empreendimentos imobiliários.

Em Angola, há quem prefira o casamento poligâmico, de modo a evidenciar a riqueza diamantífera e petroleira. Em Portugal, os candidatos a consorte são muitos e muitos já os escolhidos, desde a Formentinvest, do grupo de Ângelo Correia e onde Passos Coelho prestou serviço antes de ganhar as eleições, até Luís Montez, empresário de espectáculos e produções, genro de Cavaco Silva.

Neste momento, não é mais possível falar de coincidências ou bruxas.

Quando se está a destruir o país e a levar à miséria o seu povo, só podemos dizer que aqueles que tomaram o poder, em Portugal, são uns ganguesteres. E dizemos isto ainda com mais convicção, no momento em que estamos a ouvir a notícia sobre mais uma tentativa de roubo, o dos quadros de Miró.

Repetimos, são uns ganguesteres, que estão a pôr o país a saque e a enxovalhar-nos aos olhos do mundo inteiro.

 

Bibliografia consultada e com muito mais informação:

Virginia López, IMPUNIDADE, A Esfera dos Livros, 2013

Paulo de Morais, DA CORRUPÇÃO À CRISE – QUE FAZER?, Gradiva, 2013

Jorge Costa, João Teixeira Lopes, Francisco Louçã, OS DONOS ANGOLANOS DE PORTUGAL, Bertrand Editora, 2014.