O QUE ELES ESCONDEM

quarta-feira, 30 de abril de 2014

 
Juan Francisco Martín Seco publicou, em Fevereiro de 2013, o livro com o título “Contra el Euro. Historia de una ratonera” (Contra o euro. História de uma ratoeira). O autor é um dos economistas que, ao longo dos últimos 25 anos, tem alertado para a armadilha que nos vêm estendendo com o chamado projecto europeu e, mais concretamente, a constituição da União Monetária.

O excerto, retirado do capítulo 6 intitulado “Culpables” (Culpados), traduz a raiva de quem sabe que o imenso sofrimento, infligido à grande maioria da população, poderia ter-se evitado e que os culpados, não só continuam impunes, como ainda lucram com a crise que provocaram.
Martín Seco descreve, nesta passagem, a situação espanhola, que é, inteiramente, a de Portugal ou Grécia. E, se nada acontecer, outros se nos juntarão, tal como nós nos juntámos àqueles de que menos se fala – os países do Leste da Europa, apenas com a Ucrânia a escapar, até há poucos dias. (A Rússia será um osso mais duro de roer...).

É que a globalização do capital financeiro, iniciada no século XIX, tem, agora, necessidade de se virar para os países de origem, visto estar a ser escorraçada de muitas das colónias dos restantes continentes, da China à América Latina.
Não se trata já de mais uma crise passageira, mas de um processo de autofagia, em que o capitalismo deixou de investir na produção, limitando-se a devorar as suas próprias entranhas, o que prenuncia o seu fim.

A história diz-nos que a ganância capitalista é capaz das maiores atrocidades. Resta saber se os povos compreenderão a disjuntiva “socialismo ou barbárie”, equacionada há quase um século por Rosa Luxemburgo, ou se se deixarão arrastar para mais uma longa noite de escravidão e obscurantismo.
 

“A sociedade espanhola vive, hoje, numa situação dramática. Na história recente, é difícil encontrar semelhanças. Submeteu-se a grande maioria da população a múltiplos sacrifícios e privaram-na dos direitos laborais e sociais conquistados ao longo de décadas. Os cidadãos viram como se reduzia substancialmente o seu poder de compra. E tudo isso de repente.Passou-se da euforia económica à depressão. Muitos temem pelo seu posto de trabalho, pelo dos seus familiares, pelas suas pensões; duvidam de que os seus rendimentos se mantenham na mesma quantia, de que, no futuro, possam contar, como até agora, com cuidados de saúde gratuitos ou que os seus filhos tenham, em matéria de educação, as mesmas oportunidades de que eles disfrutam. Já existe mais de um milhão de famílias que carece de qualquer resdimento e cuja situação se torna, de dia para dia, mais desesperante. Há quem se veja obrigado a viver dos pais, dos irmãos. Aumenta, em progressão geométrica, o número daqueles que têm de acudir à caridade das ONG, perante a paralisia do Estado e a demissão das suas obrigações que, na Constituição, parecem ter uma finalidade de mero adorno. Os pequenos comerciantes sentem sobre a sua cabeça a ameaça de encerramento, ao ver como o consumo se reduz todos os dias, situação agravada por leis tão injustas como a da liberdade de horários comerciais, o que permite a concorrência ilícita das grandes superfícies.
O primeiro sentimento da sociedade espanhola foi o de surpresa. Num brese lapso de tempo, viu como a sua vida e as suas expectativas não param de se alterar, sem ver com clareza qual o motivo. As pessoas não entendem. Fala-se-lhes da crise com carácter quase mitológico, como uma praga bíblica; do euro, da taxa de juro da dívida, de Merkel, de Draghi e do BCE. Depois da surpresa chegam a angústia e o medo, porque nem nos piores pesadelos imaginavam que iam viver uma situação económica como a actual. Depois, a indignação. (...) A crispação, a irritação, estendem-se a grande parte dos cidadãos, sejam eles de direita ou de esquerda. A raiva, excepto em sectores reduzidos, ainda não se converteu em violência, entre outras razões porque, nas sociedades ocidentais, depois de muitos anos de relativo conforto, os cidadãos esqueceram-se desse exercício.”

 

 

segunda-feira, 28 de abril de 2014

 
UM, DOIS, TRÊS... QUATRO PAPAS
 
É muito Papa junto! Mas, compreende-se. Há que defender o investimento de mais de 8 biliões de dólares em acções e obrigações, o controle de interesses na indústria de armamento ou os mais de 100.000 latifúndios, espalhados por todo o mundo, com enormes lucros, sobretudo, na Alemanha.
 
Com a experiência milenária que tem e a rede de informações mais alargada e eficaz do mundo, o Vaticano percebeu que era necessário substituir um Papa que, além do seu passado de colaboração com os nazis, não demonstrava jeitinho algum para o proselitismo.
 
Aparece, então, um outro, vindo da América do Sul. Dizem que é obra do Espírito Santo, a escolha dos Papas. E deve ser verdade, a acreditar no dito "Espírito Santo de orelha", já que ouviu e percebeu que os ventos não lhe são propícios, naquela parte do mundo.
 
Temos, assim, dois Papas, um, para arregimentar os rebanhos tresmalhados da América Latina e outro, como avalista de uma Igreja que nunca deixou de apoiar o grande Reich, agora, o IV.
 
E estes dois seráficos, muito seraficamente, santificaram, de uma assentada, dois dos seus antecessores: João XXIII e João Paulo II. O primeiro abrira a Igreja ao pensamento crítico, ao comprometimento com os pobres, à teologia da libertação. O segundo acabou com tudo isso.
 
É aquilo a que se chama jogo duplo ou "dar uma no cravo, outra na ferradura". Mas, honra lhes seja feita, a cartada foi de mestre e nem ao diabo lembraria.

Por isso, o Papa Alexandre VI, o Bórgia, terá muita dificuldade em subir aos altares.

  
 
 
 
 

terça-feira, 15 de abril de 2014

 
O Capitalismo
 
Este gráfico mostra como se distribue a riqueza financeira, nos Estados Unidos. Embora esteja em inglês, creio que se entende perfeitamente: os 20% mais ricos possuem 85% de todos os activos financeiros.
Contudo, há, ainda, quem julgue que o capitalismo proporciona oportunidades iguais a toda a gente. (Gráfico procedente de Ownership and Inequality http://feedly.com/k/QDE6Tf )
 
  
 


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Texto e gráfico retirados da página web Ganas de Escribir, de Juan Torres López, Catedrático do Departamento de Teoria Económica e Economia Política, da Universidade de Sevilha.

A maior (e mais silenciada) causa do crescimento das desigualdades

Por Vicenç Navarro*
 
As desigualdades na maioria de países dos dois lados do Atlântico norte, na América do Norte e na União Europeia, têm crescido enormemente, atingindo níveis nunca vistos desde princípios do século passado, quando teve lugar a Grande Depressão. Este crescimento tem sido particularmente acentuado nos países conhecidos como PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha), que se convertem em GIPSI quando se acrescenta Itália.
O que justifica este crescimento tão notável?

Existe já toda uma extensa bibliografia que tenta explicar este facto. Uma síntese das diferentes razões apresentadas aparece no discurso que o Prémio Nobel de Economia, James Alexander Mirrlees, deu aquando da sua entrada na Real Academia de Ciências Económicas e Financeiras, que foi publicado no La Vanguardia em 23 de março de 2014. É um resumo do que constitui a sabedoria convencional no conhecimento económico atual. O problema que implica e reproduz este conhecimento hegemónico é que ignora o contexto político, que condiciona e determina o conhecimento económico.
Por exemplo, uma das explicações apresentadas com maior frequência para explicar a diminuição dos salários (uma das maiores causas do crescimento das desigualdades) é a globalização económica, com a mobilidade de capitais que se deslocam para países de baixos salários para embaratecer os seus produtos. Mas esta explicação ignora que os países escandinavos como a Suécia ou a Noruega, por exemplo, estão entre os países mais globalizados do mundo. Isto é, somando as suas exportações e importações atingem-se das mais altas percentagens do PIB de todo o mundo. Devido ao seu pequeno tamanho, a economia destes países está enormemente integrada e globalizada. E, em contrapartida, os seus salários estão entre os mais elevados do mundo. E isso deve-se ao facto de o mundo do trabalho e os seus instrumentos políticos e sindicais serem muito fortes e exercerem uma forte influência sobre os seus Estados.

Estes dados mostram que não é a globalização económica em si, senão a maneira como se realiza tal globalização, que determina o nível salarial. Por outras palavras, são as variáveis políticas (o que se chama o contexto político) que determinam o fenómeno económico (e não o inverso). Esta realidade é constantemente esquecida, inclusive por autores progressistas, como Christian Felber, que, no seu conhecido livro “A economia do bem comum” mal toca o contexto político, reduzindo o seu livro a um tratado de engenharia económica sem considerar as variáveis políticas que fariam possível a sua realização.
Por que os indicadores de desigualdade que se utilizam não nos servem para entender a desigualdade

Esta ignorância ou desconhecimento do contexto político tem levado à criação de umas ciências económicas que nos limitam no entendimento das desigualdades. Comecemos pelo estudo dos indicadores de desigualdade. O mais comum para medir as desigualdades de rendimento é o coeficiente de Gini, que tenta medir o nível de desigualdades mediante um valor que vai de 0 a 1. 0 quer dizer igualdade completa e 1 desigualdade total. Em general, o Gini é mais baixo nos países escandinavos que nos países PIGS ou GIPSI.
Ora, sem negar que este indicador possa nos ser útil, a realidade é que a informação que nos proporciona é muito limitada, pois não nos indica por que este nível está onde está nem por que varia. Para poder entender e, portanto, medir melhor as desigualdades, há que começar por entender de onde procedem os rendimentos. E as duas fontes mais importantes são a propriedade do capital, por um lado, e o mundo do trabalho, por outro. Isto é, a desigualdade na distribuição dos rendimentos depende primordialmente da distribuição da propriedade do capital e da distribuição dos rendimentos do trabalho. A relação de poder entre as forças do capital, por um lado, e as forças do trabalho, por outro, é determinante na distribuição dos rendimentos de um país. A evidência de que isto é assim é esmagadora, contudo, o leitor raramente lê-lo-á nos maiores meios de informação.

Na realidade, este facto é uma das razões que explica a falta de atenção (quando não aberta hostilidade) que o tema das desigualdades tem dentro do que se chamam “ciências económicas”. Como disse há uns anos o Prémio Nobel de Economia Robert Lucas (membro do conselho científico de um dos centros mais importante e prestigiados de investigação económica em Espanha, a Barcelona Graduate School of Economics) “uma das tendências perniciosas e perigosas no conhecimento económico… na realidade, venenosa para tal conhecimento, é o estudo de temas de distribuição” (Robert Lucas, “The Industrial Revolution: Past and Future”. Annual Report 2003 Federal Reserve Bank of Minneapolis, May 2004).
Aos economistas próximos ao capital incomoda-lhes que se pesquisem as causas das desigualdades pois a evidência científica mostra que a principal causa do seu crescimento tem sido, precisamente, o enorme crescimento dos rendimentos do capital à custa dos rendimentos do trabalho, feito que é consequência do grande domínio das instituições políticas e mediáticas por parte do capital, domínio que tem diluído e violado o carácter democrático das instituições representativas dos países onde o crescimento das desigualdades tem tido lugar (ver o excelente livro Capital in the Twenty-First Century, de Thomas Piketty, 2014).

Além disso, o protagonismo do capital financeiro (e muito em particular da banca) dentro do capital, juntamente com a diminuição dos rendimentos do trabalho, gerador da redução da procura, explica o comportamento especulativo desse capital, origem da enorme crise, tanto financeira como económica (e, portanto, política), que estamos a viver. O leitor pode assim entender por que o Sr. Lucas e um grande número de economistas próximos ao capital não querem nem sequer ouvir falar de temas de desigualdades, porque, por pouco que se olhe, vê-se claramente a origem de tanto sofrimento que as classes populares estão a padecer, que não é outro senão o enorme domínio que o capital tem sobre as instituições do Estado.
A concentração do capital

Permitam-me que me estenda nestes pontos. É bem sabido que a propriedade do capital está bem mais concentrada que a distribuição dos rendimentos. Assim, os 10% da população, na sua maioria de países da OCDE (o clube de países mais ricos do mundo), têm mais de 50% da propriedade do capital. Em Espanha, um dos países com maior concentração, tem ao redor de 65% (tabela 7.2 no livro de Piketty). Por outro lado, a metade da população no seu conjunto não tem nenhuma propriedade: em realidade, está endividada. Desta concentração deriva-se que quanto maior é a percentagem dos rendimentos que derivam do capital, maior é a desigualdade na distribuição dos rendimentos. Costuma-se dizer que quanto maior poder tem a classe capitalista (termo que já não se utiliza por ser considerar “antiquado”), maiores são as desigualdades num país.
Naturalmente que estas desigualdades entre o mundo do capital e o do trabalho não são as únicas que explicam as desigualdades de rendimentos num país. Mas são as mais importantes. Seguem-lhes as desigualdades dentro do mundo do trabalho, que se refletem predominantemente na extensão do leque salarial. Mas inclusive estas dependem das forças provenientes do capital. Quanto maior é o poder da classe capitalista, maior é a dispersão salarial, feito que a economia convencional atribui à sua ênfase em estimular a eficiência económica, ainda que a evidência científica mostre que não há nenhuma relação entre dispersão salarial e eficiência económica. Na realidade, algumas das empresas mais eficientes (como as cooperativas do grupo Mondragón) são as que têm menor dispersão salarial. O objetivo desta dispersão não é económico senão político: o de dividir e, portanto, debilitar o mundo do trabalho.

Esta observação, na realidade, explica as limitações daqueles autores que cingem a definição do problema ao 1% da sociedade, slogan gerado pelo movimento Occupy Wall Street e que tem sido importado para Espanha. O sistema económico é sustentado precisamente pelos 9% que se encontram no escalão de rendimentos seguinte, que obtém os seus rendimentos do trabalho, mas cujo poder e permanência dependem da sua vassalagem ao 1%. Os grandes gurus mediáticos, por exemplo, recebem salários elevadíssimos cuja quantia não decorre da sua competência ou eficiência, senão de sua função reprodutora dos valores que favorecem os interesses de 1%.
Em conclusão, as causas das desigualdades são políticas e têm que ver predominantemente com o grau de influência política que os proprietários do capital têm sobre os Estados. Quanto maior é a sua influência, maior é a desigualdade social. O facto de estas tenham crescido enormemente desde os anos 80 deve-se à mudança política realizada pelo Presidente Reagan e a Sra. Thatcher – a revolução neoliberal –, que foi e é a vitória do capital sobre as forças do trabalho, vitória que continua devido à incorporação dos partidos de centro esquerda governantes no esquema neoliberal promovido pelo capital. A cada uma das políticas neoliberais (cortes da despesa pública e transferências sociais, a desregulação do mercado de trabalho, o debilitamento dos sindicatos, a descentralização e individualização das convenções coletivas, a redução de salários e outras medidas) repercute no benefício do capital e na sua concentração às custas dos rendimentos do trabalho. São políticas claramente de classe que não se definem com este termo por se considerar “antiquado”. É precisamente resultado da enorme influência do capital que tal terminologia se considera antiquada. É previsível que os porta-vozes do capital assim o apresentem, mas é suicida que os porta-vozes das esquerdas, em teoria próximas às classes populares, também considerem estes termos antiquados. Confundem antigo com antiquado. A lei da gravidade é antiga mas não é antiquada. Se tem dúvidas, é fácil comprová-lo: salte de um quarto andar e vê-lo-á. E isto é o que está a ocorrer com grande número das esquerdas dirigentes em Espanha e na Europa. Estão a cair do quarto andar e ainda não se deram conta do porquê. Agradeço ao leitor que lhes envie este artigo.
 

Artigo publicado  na coluna “Domínio Público” , do diário on-line espanhol PÚBLICO ( www.publico.es ), 27 de março de 2014

Tradução de Mariana Carneiro para o Esquerda.net


* Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona. Foi Catedrático de Economia Aplicada, na Universidade de Barcelona. É também professor de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University (Baltimore, EUA), onde foi docente durante 35 anos. Dirige o programa Políticas Públicas e Sociais, patrocinado conjuntamente pela Universidade Pompeu Fabra e The Johns Hopkins University. Dirige, igualmente, o Observatório Social de Espanha.

 

sábado, 12 de abril de 2014

Parlamento Europeu

Riscos de uma campanha eleitoral falhada

por Octávio Teixeira [*]
O aumento da 'competitividade' na óptica da União Europeia.
 
 
 
É visível que entrámos já na campanha eleitoral para o parlamento europeu.

Mas, pelo que "vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar", parece que nessa campanha não haverá espaço para discussão do problema central que é a saída do Euro ou, pelo menos, que nenhuma força política defenderá a saída da zona Euro.

É uma situação para mim incompreensível, designadamente no que respeita aos partidos de esquerda. Quer pelos efeitos nefastos que a adesão ao Euro gerou, e a permanência no Euro continuará a gerar, sobre a economia e sobre a sociedade, em particular sobre os trabalhadores. Quer pelo que o Euro significou, e continuará a significar, nas perspectivas da divisão internacional do trabalho no âmbito da zona Euro e do aprofundamento do neoliberalismo.

O Euro tem enormes efeitos nefastos sobre a economia portuguesa:   a) degrada as nossas capacidades de exportação nos sectores em que a procura é mais sensível ao preço e aumenta a pressão sobre as empresas no mercado interno devido à baixa do preço em Euros dos produtos importados de países exteriores à zona Euro, com consequências pesadas para as PMEs, reduzindo as suas capacidades de investimento e consequente competitividade futura e obrigando-as a endividarem-se acrescidamente;   b) acentua a desindustrialização do país, o agravamento dos défices externos, o endividamento externo das empresas e do Estado, a recessão ou prática estagnação do crescimento;   c) impede o financiamento da dívida pública com recurso ao Banco Central, obrigando o Estado a financiar-se exclusivamente nos mercados financeiros e a reduzir a despesa pública (veja-se o tratado orçamental) com a consequente pressão em baixa sobre a procura agregada. Em resultado destes efeitos, o Euro impõe a redução das remunerações e das pensões de reforma, com efeitos negativos sobre a redistribuição do rendimento, a prestação de serviços públicos e o emprego.

Ou seja, a pertença à zona Euro agrava os grandes desequilíbrios, tem grande impacto sobre a estrutura do aparelho produtivo à escala macro e micro, conduz a uma elevada e insuportável taxa "estrutural" de desemprego e a um modelo económico assente nos baixos salários, é um obstáculo à preservação de um modelo social digno desse nome. Independentemente dos erros cometidos (e muitos são) pelos diversos Governos, os constrangimentos ditados pela moeda única e pela política monetária única impedem que Portugal tenha um crescimento económico equilibrado e sustentado a ritmos elevados e promova o progresso social da sua população, dos trabalhadores.

Por outro lado, a ausência de risco de cambial na zona Euro beneficia a especialização produtiva dos países em função das suas vantagens comparativas, conduzindo à desindustrialização dos países periféricos em benefício dos países mais desenvolvidos do centro, como a Alemanha, Holanda e Finlândia. Reforçando a posição destes como exportadores de bens de equipamento e de consumo e como importadores da procura e dos baixos salários dos países periféricos como Portugal. Ou seja, como alguém já escreveu, o Euro "alimenta uma divisão internacional do trabalho com dinâmica colonialista".

Em terceiro lugar, o Euro é instrumento essencial do projecto neoliberal em que estamos atolados e onde não há uma perspectiva de progresso social. O objectivo subjacente ao primado da estabilidade de preços na condução da política monetária é o da redução dos custos unitários do trabalho, fazendo recair sobre os salários e o emprego todos os custos de ajustamentos a choques económicos, tendo por desígnio aumentar o "exército de reserva" para reduzir direitos laborais e travar o crescimento dos salários. E a manutenção do Euro como "moeda cara" visa tornar as aquisições financeiras no exterior da zona mais baratas para os empórios económicos e financeiros do centro da Europa.

Ou seja, o Euro é um obstáculo à recuperação económica, um elemento de agravamento da recessão e um mecanismo de exploração de classe. E inclusivamente é um obstáculo para o próprio processo de construção europeia num sentido progressista. Porque, como escreveu Engels, há que não confundir "a confraternização das nações" com "o cosmopolitismo hipócrita e egoísta do livre cambismo" .

Neste contexto considero inexplicável como pode haver na esquerda quem defenda a permanência de Portugal no Euro ou, pelo menos, não defenda a saída.

Uns dizem que o que se deve fazer não é abandonar o Euro mas sim transformar a zona Euro através da conjugação das forças progressistas e de esquerda da Europa. O problema é que não explicam como é que se consegue tornar a esquerda europeia suficientemente forte para conseguir esse desiderato. Ou quanto tempo será necessário para o conseguir, sendo certo que "a longo prazo estaremos todos mortos".

Outros reconhecem os efeitos desastrosos que a adesão ao Euro provocou no país e que podemos perder muito mais com a permanência ou com o agudizar da crise na zona Euro que empurre o país para uma saída caótica. Mas, então, a lógica parece levar a que defendessem a saída programada, preparada e negociada. Mas não, porque isso seria uma posição aventureira. Ou, ainda, que uma coisa é sair do Euro com um Governo esquerda e outra com um Governo de direita. Não tenho dúvidas que as diferenças são grandes. Mas para quando se perspectiva um Governo de esquerda? E entretanto o país e os trabalhadores estão condenados a suportar os reconhecidos sobrecustos da permanência no Euro que são muito maiores que os da saída e muitíssimo mais prolongados no tempo? Para além do mais e por razões ideológicas, nunca um Governo de direita promoverá a saída do Euro. Mas um Governo de esquerda, se e quando fôr possível, deverá fazê-lo. E por isso as esquerdas devem, de forma clara e transparente, defender essa saída nos seus programas eleitorais.

Sejamos claros e deixemo-nos de sofismas. Objectivamente a não defesa da necessidade do país sair do euro é, por omissão, contribuir para que se prolongue e agrave a situação actual.

A crise profunda com que nos confrontamos decorre da acumulação de perdas de competitividade ao longo dos últimos 12 anos e de que resultou o agravamento persistente do défice da balança corrente, com o consequente aumento acelerado da dívida externa, privada e pública.

É aqui que reside a origem da crise e, por isso, a saída dela tem de ter como questão central e essencial a ultrapassagem dos desequilíbrios externos. Não através da redução das importações decorrente da diminuição do poder de compra da população, mas pela via do aumento da produção nacional suficientemente competitiva para aumentar exportações e substituir importações.

Ou seja Portugal tem necessariamente de fazer uma forte desvalorização para conseguir recuperar da crise em que está afundado.

E só existem duas formas de o fazer:   ou através da desvalorização interna ou pela via da desvalorização cambial. A não defesa da possibilidade da desvalorização cambial significa, objectivamente e por inacção, uma permissão ao prolongamento e agravamento da desvalorização salarial. Tenho a certeza de que não é isso que as forças de esquerda querem. Por isso têm de ser coerentes.

Se se pretende superar a gravíssima crise que atravessamos e romper com o neoliberalismo torna-se essencial e incontornável a saída da zona Euro e a recuperação da soberania monetária e orçamental, visando abrir portas a uma política de desenvolvimento favorável ao Trabalho.

Como já o escrevi diversas vezes, é evidente que a saída do Euro tem custos. Mas comparam muito favoravelmente com os da permanência.

E suscita dificuldades políticas. Mas, para além de não poder haver temor de as enfrentar, essas dificuldades parecem-me mais ultrapassáveis que as colocadas quer pela via do federalismo quer pela da ruptura com as sacrossantas orientações neoliberais que norteiam a zona Euro.

E na óptica jurídica parece inequívoco que é possível sair do Euro sem sair da União Europeia. Porque existem outros países que pertencem à União mas não à zona Euro. E porque se o Tratado da União Europeia, que não prevê a possibilidade a expulsão de um país da União, permite o mais – a saída de um país da União – necessariamente permite o menos – a saída da zona Euro.

Um apelo às esquerdas que o são:   por favor, não contribuam para que a campanha eleitoral para as europeias se transforme num acto falhado sobre o que é essencial e central. Portugal não tem futuro na união monetária, a não ser um futuro de pobreza, de crescimento débil e instável, de emigração dos jovens, uma sociedade frustrada, desigual e empobrecida. Precisa de romper com o Euro para reabrir as portas que Abril abriu.
06/Abril/2014

[*] Economista.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
07/Abr/14