O QUE ELES ESCONDEM

domingo, 31 de dezembro de 2017

Se alguém nos anda a mentir não é Nicolás Maduro, o Presidente da Venezuela, mas o sô Silva, o nosso sibilino Ministro dos Negócios Estrangeiros. 

PROVAS DO CRIME ECONÓMICO CONTRA A VENEZUELA

Por Alfredo Serrano Mancilla*

É proibido ver o evidente. Esta espécie de máxima encontrada no mural de uma rua vem mesmo a calhar a todo aquele que ignora a contínua agressão económica que a Venezuela vem sofrendo nos últimos anos. Pode-se, legitimamente, estar a favor ou contra as decisões económicas de Nicolás Maduro. Todo o debate económico é bem-vindo. Contudo, o desconhecimento do conjunto de acções orquestradas de múltiplos âmbitos contra a economia Venezuela retira o rigor a qualquer tipo de análise. Deixar de lado o que a Venezuela está a enfrentar sob a forma de multi-agressão permanente em matéria económica é um acto de irresponsabilidade deliberada. Além disso, seria uma análise parcial e enviesada. Seria o mesmo que analisar a economia mexicana sem considerar que tem os Estados Unidos como vizinho a norte. Ou supor que um país tem mar apesar de não o ter. Como ler um estudo ou uma proposta na base de premissas falsas, inexistentes, eclipsando uma boa parte do que sucede?
Apropriado será ter um panorama integral para fazer um diagnóstico certeiro e, em função disso, realizar as recomendações que cada qual considere oportunas. Nenhuma das provas esgrimidas a partir de agora deve ser considerada como desculpa ou subterfúgio que sirva para esconder outros desequilíbrios estruturais da economia venezuelana. O que se trata neste artigo é demonstrar, com provas manifestas, que a economia venezuelana não é como uma outra qualquer. Por muitas razões geopolíticas, está submetida a um constante assédio que é obrigatório conhecer em pormenor. Eis aqui uma lista dessas provas irrefutáveis:

1.    O risco-país (RP) atribuído pelas agências de notação não tem razão de ser dado o cumprimento da Venezuela no pagamento da dívida externa. Nos últimos 4 anos, a República honrou os seus compromissos de pagamento, num total de 73.359 milhões de dólares. E o RP continuou a subir. Verificaram-se 32 meses, nos últimos 14 anos, em que o RP contra a Venezuela subiu, apesar do incremento do preço do petróleo. Actualmente, o RP atribuído por JP Morgan (EMBI +) encontra-se em 4.820 pontos, isto é, 38 vezes mais do que aquele atribuído ao Chile, apesar deste país ter um rácio de dívida/PIB semelhante ao venezuelano.
2.    A palavra “default” é usada contra a Venezuela independentemente do seu significado. Dois exemplos que aconteceram recentemente, embora tenha cumprido com o pagamento da dívida externa: a) Fitch Ratings disse que a Venezuela tinha um “Default Selectivo”; b) Standard & Poors baixou a notação, de CC/C para SD/D (default selectivo). Isto, porém, vem de longe. Outro exemplo menos recente: em Fevereiro de 2016, Bloomberg afirmava que a Venezuela tinha 76% de probabilidades de entrar em “default” num ano. E, do mesmo modo, teríamos milhares e milhares de testemunhos que ratificam que as notações para a Venezuela não seguem um critério de racionalidade económica.
3.    Donald Trump ditou uma ordem executiva (amparando-se num decreto prévio de Obama) contra a economia venezuelana. Bastará lê-la em pormenor para nos darmos conta de que se trata de um boicote explícito, com a intenção de impedir o relacionamento da Venezuela com sócios privados dos EUA, ao mesmo tempo que restringe o cumprimento dos pagamentos de dívida externa, assim como as possibilidades de refinanciamento da mesma.
4.    Grande parte do sistema financeiro internacional veio, nos últimos anos, proporcionando um esquema de bloqueio relativamente às operações financeiras da Venezuela, limitando a acção de múltiplas instituições (públicas e privadas) para executar pagamentos a fornecedores, receber pagamentos, fazer transações, gerir carteiras de investimento, cumprir obrigações financeiras e aceder a fontes de financiamento internacionais. E sucederam-se os cancelamentos unilaterais de contratos interbancários contra a Venezuela (Citibank, Comerzbank, Deutsche Bank). Desde Julho de 2017, o agente de pagamento dos títulos de dívida emitidos por PDVSA (1), em Delaware, informou que o seu banco intermediário (PNC Bank), nos Estados Unidos, negava-se a receber fundos provenientes da petrolífera estatal. Por sua parte, o Novo Banco (Portugal) notificou, em Agosto de 2017, a impossibilidade de realizar operações em dólares por parte das instituições públicas venezuelanas, devido ao bloqueio de intermediários. A empresa Euroclear, encarregada da custódia de uma parte importante dos títulos de dívida da Venezuela, mantém importantes operações de transação de títulos retidos, no processo de “Revisão”, dadas as pressões feitas por OFAC (2) (mais de 1.200 milhões de dólares). O banco aliado da Venezuela, Bank of China Frankfurt, não pôde realizar uma operação destinada ao pagamento de compromissos com a empresa mineira Canadiense Gold Reserve por 15 milhões de dólares.
5.    Produziram-se bloqueios para o pagamento de alimentos e outros bens básicos. Por exemplo, na terceira semana de Novembro, foram devolvidas mais de 23 operações de pagamento de 39 milhões de dólares em alimentos porque os bancos intermediários dos fornecedores não queriam aceitar recursos provenientes da Venezuela. Situações parecidas ocorreram nas compras de Natal, medicamentos (insulina, fármacos contra a malária e paludismo), sementes, transporte de desportistas venezuelanos (o banco Wells Fargo impediu a operação), comunicação (o banco holandês Rabobank recusou o pagamento para a imperatividade da TeleSur, alegando que o ordenante se encontrava sancionado pela OFAC).
6.    A evolução da taxa de câmbio ilegal “paralela” não tem nenhum “paralelismo” com nenhuma variável macroeconómica. O valor desta taxa de câmbio foi multiplicado 1.410 vezes, desde Agosto de 2014 até à actualidade, quando a quantidade de notas e moedas se multiplicou por 43; a quantidade de liquidez multiplicou-se por 64 e a taxa de câmbio implícita por 141. Nem sequer a ortodoxia neoclássica serve para explicar o comportamento desta arma política de destruição económica, utilizada para induzir um aumento desmedido da inflação.

A esta lista de provas poderíamos acrescentar todas as tentativas do Mercosur para isolar a Venezuela; as sanções da União Europeia ou Canadá; a retirada de companhias aéreas como a Avianca ou Aerolíneas Argentinas. Além disso, convém acrescentar a queda estrepitosa do preço do petróleo, de 2014 a 2016 (passando o preço médio anual do barril, de 88 para 35 dólares).
Esta realidade é inegável e não há outro país submetido a este tipo de assédio económico de alta intensidade e persistência.
                       
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*  Doutor em Economia. Director do Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica (CELAG)

(1)  Petróleos de Venezuela, SA
(2) Agência de controle de activos estrangeiros dos EUA

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