O QUE ELES ESCONDEM

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Governo português cúmplice da agressão à Venezuela

O Sr. Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros, declarou que Portugal não reconhece a Assembleia Nacional Constituinte da Venezuela. Este facto, além de ser uma ingerência nos assuntos internos de outro país, violando a Carta das Nações Unidas, mostra a vassalagem do governo português aos EUA e neo-colonialistas europeus.
Trump ameaçou, primeiro, com uma intervenção militar. Recuou quando todos os países da América Latina (excepção para o Macri da Argentina) lhe disseram que não seria procedente, visto poder levantar todos os povos daquele continente. Avançou, então, com sanções financeiras, que irão afectar, sobretudo, o povo venezuelano. Quer a intervenção militar, quer estas sanções, têm sido pedidas pela extrema-direita venezuelana, de modo a agravar as dificuldades provocadas já pelas suas acções de violência e sabotagem económica.
A última desculpa para esta guerra aberta contra a Venezuela é a Assembleia Nacional Constituinte (ainda não se chegou às “armas de destruição maciça”).
Não deve ser por ignorar o que diz a Constituição venezuelana que o governo português, com tantos problemas para resolver, se imiscue nos assuntos de um país, que deveria considerar irmão, conhecendo a senha que se abateu sobre Portugal com a direita assumida ou encapotada.

Constituição da República Bolivariana da Venezuela, capítulo III:
Artigo 347. O povo da Venezuela é o depositário do poder constituinte originário. No exercício de tal poder, pode convocar uma Assembleia Nacional Constituinte com o objetivo de transformar o Estado, criar um novo ordenamento jurídico e redigir uma nova Constituição.

Artigo 348. A iniciativa de convocar a Assembleia Nacional Constituinte poderá tê-la o Presidente ou Presidenta da República no Conselho de Ministros; a Assembleia Nacional, mediante acordo de dois terços de seus integrantes; os Conselhos Municipais em cabildos, mediante o voto de dois terços dos mesmos; e 15% dos eleitores inscritos e eleitoras no registro eleitoral.

Artigo 349. O Presidente ou Presidenta da República não poderá contestar a nova Constituição.
Os poderes constituídos não poderão de forma alguma impedir as decisões da Assembleia Constituinte. Para efeitos da promulgação da nova Constituição, esta se publicará na Gazeta Oficial da República de Venezuela ou na Gazeta da Assembleia Constituinte.

Artículo 350. O povo da Venezuela, fiel à sua tradição republicana, à sua luta pela independência, pela paz e pela liberdade, desconhecerá qualquer regime, legislação ou autoridade que contrarie os valores, princípios e garantias democráticas ou menospreze os direitos humanos.





domingo, 27 de agosto de 2017



Marta Gómez escreveu a letra e destacados artistas venezuelanos uniram as suas vozes para repudiar as ameaças imperialistas contra a Venezuela. Veja aqui.



Para la guerra nada

Para el viento, una cometa*
Para el lienzo*, un pincel
Para la siesta, una hamaca*
Para el alma, un pastel
Para el silencio una palabra
Para la oreja, un caracol*
Un columpio* pa' la infancia
Y al oído un acordeón
Para la guerra, nada

Para el cielo, un telescopio
Una escafandra, para el mar
Un buen libro para el alma
Una ventana pa' soñar
Para el verano, una pelota*
Y barquitos de papel
Un buen mate* pa'l invierno
Para el barco, un timonel*
Para la guerra, nada

Para el viento, un ringlete*
Pa'l olvido*, un papel
Para amarte, una cama
Para el alma, un café
Para abrigarte, una ruana*
Y una vela pa' esperar
Un trompo* para la infancia
Y una cuerda pa' saltar
Para la guerra, nada

Para amar nuestro planeta
Aire limpio y corazón
Agua clara para todos
Mucho verde y más color
Para la tierra más semillas*
Para ti, aquí estoy yo
Para el mundo eternas lunas
Pregonando esta canción
Para la guerra, nada

(Para el sol, un caleidoscopio
Un poema para el mar
Para el fuego, una guitarra
Y tu voz para cantar
Para el verano bicicletas
Y burbujas de jabón*
Un abrazo pa' la risa
Para la vida, una canción
Para la guerra, nada)

Para el cielo un arcoíris
Para el bosque un ruiseñor*
(Para la guerra nada)
Para el campo una amapola*
Para el mar un arrebol
(Para la guerra nada)
Para la brisa una pluma*
Para el llanto* una canción
(Para la guerra nada)
Para el insomnio la Luna
Para calentarse el Sol
(Para la guerra nada)

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*Glossário:
amapola – papoila
burbujas de jabón – bolas de sabão
caracol – búzio
columpio – baloiço
cometa- papagaio (brinquedo de papel)
hamaca – cama de rede
lienzo – tela (pintura)
llanto - choro
mate – bebida
olvido – esquecimento
pelota – bola
pluma – pena
ringlete – moinho de papel
ruana – capote
ruiseñor – rouxinol
semillas – sementes
timonel – timoneiro
trompo – pião



segunda-feira, 21 de agosto de 2017

O assessor de segurança do presidente Jimmy Carter : “Eu criei o terrorismo jihadista e não me arrependo!”

Por Nazanín Armanian *

“Que é mais importante para a história do mundo? O Talibã ou o colapso do império soviético?” É a resposta de quem foi o assessor de segurança do presidente Jimmy Carter, Zbigniew Brzezinski, à pergunta da revista francesa Le Nouvel Observateur, de 21 de Janeiro de 1998, sobre as atrocidades que cometem os jihadistas de Al-Qaeda. Uma arrepiante falta de ética de indivíduos como ele que destroem a vida de milhões de pessoas para alcançar os seus objectivos.
Nesta entrevista, Brzezinski confessa outra realidade: que os jihadistas não vieram do Paquistão para libertar a sua pátria dos ocupantes infiéis soviéticos, mas que seis meses antes da entrada do exército vermelho no Afeganistão, os EUA puseram em marcha a Operação Ciclone a 3 de Julho de 1979, enviando 30.000 mercenários armados, inclusivamente com mísseis Tomahawk, para o Afeganistão, com o intuito de arrasar o país, difundir o terror, derrubar o governo marxista do Doutor Nayibolá e montar uma armadilha à URSS: convertê-lo no seu Vietname. E conseguiram. À sua passagem, violaram milhares de mulheres, decapitaram milhares de homens e provocaram a fuga de cerca de 18 milhões de pessoas dos seus lares, quase nada. Caos que continua até hoje.
Esta foi a pedra angular em que assenta o terrorismo “jihadista” e a que Samuel Huntington deu cobertura teórica com o seu Choque de Civilizações. Conseguiram, assim, dividir os pobres e deserdados do Ocidente e Oriente, fazendo com que se matassem no Afeganistão, Iraque, Jugoslávia, Iémene, Líbia e Síria, confirmando as palavras Paul Valéry: “A guerra é um massacre entre gentes que não se conhecem, para proveito de gentes que se conhecem mas não se massacram.”
Conseguiram, pois, neutralizar a oposição de milhões de pessoas às guerras e converter em ódio a empatia. Com o método nazi de “uma mentira repetida mil vezes converte-se numa verdade”:
·         O atentado de 11 de Setembro não o cometeram os talibãs afegãos. A CIA, em 2001, tinha implicado o governo da Arábia Saudita no massacre. Porquê, então, os EUA invadiram e ocuparam o Afeganistão?

·         As armas de destruição maciça o Iraque não as tinha. O único país do Próximo Oriente que as possui, e de forma ilegal, é Israel e graças aos EUA e à França.

·         Tão-pouco os EUA necessitavam invadir o Iraque para deitar a mão ao petróleo. Demolir o Estado iraquiano tinha vários motivos, como eliminar um potencial inimigo de Israel e ocupar militarmente o coração do Próximo Oriente, convertendo-se em vizinho do Irão, Arábia Saudita e Turquia.

·         As cartas com antrax que, nos EUA, mataram 5 pessoas, em 2001, não as enviou Saddam Husein como jurava Colin Powell, mas Bruce Ivins, biólogo dos laboratórios militares de Fort Derrick, Maryland, que “se suicidou” em 2008.

·         Ocultaram a (possível) morte de Bin Laden, agente da CIA, até à pantomina organizada a 1 de Maio de 2011 por Obama, no assalto hollywoodesco dos SEAL a um domicílio em Abottabad, apesar da ex-primeira ministra do Paquistão, Benazir Bhutto ter afirmado, a 2 de Novembro de 2007, que o saudita tinha sido assassinado por um possível agente do M16 (porventura em 2002). Benazir foi assassinada quase um mês depois desta revelação. Manter “vivo” Bin Laden durante 8 a 9 anos serviu aos EUA para aumentar o orçamento do Pentágono (de 301 mil milhões de dólares, em 2001, para 720 mil milhões, em 2011), incrementar os contratos de armas com a Boeing, Lockheed Martin, Raytheon, etc., e vender milhões de aparelhos de segurança e câmaras de vídeo vigilância, montar prisões ilegais pelo mundo, legitimar e legalizar o uso da tortura, praticar assassinatos selectivos e colectivos (chamados “danos colaterais”) e concederem a si mesmos o direito exclusivo de invadir e bombardear o país que desejarem.

Uma vez testados no Afeganistão, a NATO enviou estes “jihadistas” para a Jugoslávia com o nome de Exército de Libertação do Kosovo e depois para a Líbia, pondo-lhes o nome de Ansar al Sharia e para a Síria onde primeiro lhes chamou “rebeldes” e, depois, lhes deu outros cinco ou seis nomes diferentes. Nesta corporação terrorista internacional, a CIA encarrega-se do treino, a Arábia Saudita e o Quatar da “caixa automática”, como disse o ministro alemão do Desenvolvimento, Gerd Mueller, e a Turquia, membro da NATO, acolhe, treina e trata os homens do Estado Islâmico. Os mesmos países que formam a “coligação anti-terrorista”.
Como é que dezenas de serviços de informação e exércitos de cerca de 50 países, meio milhão de efectivos da NATO instalados no Iraque e no Afeganistão, que gastaram milhares de milhões de dólares e euros na “guerra mundial contra o terrorismo” durante 15 largos anos, não puderam acabar com uns milhares de homens armados com espada e adaga da AL-Qaeda?


Assim fabricaram o Estado Islâmico
Síria, finais de 2013. Os neocon aumentam a pressão sobre o presidente Obama para enviar tropas para a Síria e necessitam um casus belli. O veto, no Conselho de Segurança, da Rússia e da China a uma intervenção militar, ausência de uma alternativa capaz de governar o país uma vez derrubado ou assassinado o presidente Assad, o temor a uma situação caótica na fronteira de Israel, eram parte dos motivos de Obama a negar-se. Contudo, o presidente e os seus generais perdem a batalha e os sectores mais belicistas do Pentágono e da CIA, o Quatar, a Arábia Saudita, a Turquia e os meios de comunicação afins assaltam a opinião pública com imagens de decapitações e violações cometidas por um certo Estado Islâmico. Quando o mundo aceita que “há que fazer algo” e não ter a autorização da ONU para atacar a Síria, o Pentágono, bombeiro pirómano, desenha uma engenharia militar especial:
1.    Transfere em Junho de 2014 um sector do Estado Islâmico da Síria para o Iraque, país sob o seu controle, deixando que ocupe tranquilamente 40% do país a aterrorizar cerca de 8 milhões de pessoas, a matar milhares de iraquianos, a violar mulheres e raparigas.

2.    Organizou uma poderosa campanha de propaganda sobre a crueldade do Estado Islâmico, semelhante à que fizeram com as lapidações dos talibãs às mulheres afegãs e, assim, poder “libertar” aquele país. Até a eurodeputada Emma Bonino caiu no embuste, encabeçando a luta contra a burka, olhando o dedo em vez da lua!

3.    Afirmou que, ao instalar-se o quartel-general dos terroristas na Síria, deviam atacar a Síria.

4.    Obama demitiu de forma fulminante o primeiro-ministro iraquiano Nuri al Maliki, por opor-se ao uso do território iraquiano para atacar a Síria.

5.    Objectivo conseguido: os EUA puderam, por fim, bombardear ilegalmente a Síria, a 23 de Setembro de 2014, sem tocarem nos “jihadistas” do Iraque. Graças ao Estado Islâmico, hoje os EUA (e França, Grã-Bretanha e Alemanha) contam com bases militares na Síria, pela primeira vez na sua história, donde poderão controlar toda a eurásia. A Síria deixa de ser (depois da queda da Líbia em 2001pela NATO) o único país do Mediterrâneo livre de bases militares dos EUA.

6.    E o surpreendente é que, desde esta data até Julho de 2017, o Estado Islâmico mantém ocupado o norte do Iraque sem que dezenas de milhares de soldados dos EUA tenham feito absolutamente NADA. Por fim, o exército iraquiano e as milícias estrangeiras chiitas libertam Mossul, isso sim, cometendo terríveis crimes de guerra contra os civis.

O terrorismo na estratégia do “Império do Caos”
O terrorismo “jihadista” cumpre 4 funções principais para os EUA: militarizar a atmosfera nas relações internacionais, em prejuízo da diplomacia; arrebatar as conquistas sociais, instalando estados policiais (os atentados de Boston, de Paris e inclusivamente o de Orlando) e uma vigilância a nível mundial; ocultar as decisões vitais aos cidadãos; fazer de buldózer, aplanando o caminho da invasão das suas tropas em determinados países e provocar o caos, e não como meio mas como objectivo em si.
Se durante a Guerra Fria Washington mudava os regimes na Ásia, na África e na América Latina mediante golpes de Estado, hoje para ajoelhar os povos indomáveis, recorre a bombardeamentos, envia esquadrões da morte, impõe sansões económicas, para matá-los, debilitá-los, deixá-los sem hospitais, água potável e alimentos, com o fim de que não levantem a cabeça durante gerações. Assim, converte poderosos Estados em Estados falidos, para se moverem sem impedimentos pelos seus territórios sem governo.
Os EUA que, desde 1991, são a única superpotência mundial, têm sido incapazes de manter o controlo dos países invadidos, devido ao surto de outros actores e alianças regionais que reivindicam o seu lugar no mundo novo.
E como não come nem deixa comer, os EUA decidiram, provocando o caos, sabotar a criação de uma ordem multipolar que tenta gerir-se a si mesma; debilita os BRICS, conspirando contra Dilma Russef e Lula no Brasil; impede uma integração económica na eurásia, proposta pela Rússia à Alemanha mas arquivada com a guerra na Ucrânia e mina o projecto chinês da Nova Rota da Seda e de uma integração geoeconómica da Ásia-Pacífico, que cobriria dois terços da população mundial. Em contrapartida, cria alianças militares como a “NATO sunita” e organizações terroristas com o propósito de afundar o Próximo Oriente em longas guerras de religião.
Anunciar que desenhou um plano para a “mudança de regime” no Irão, um imenso e povoado país, perante a dificuldade de uma agressão militar, significa que porá em marcha uma política de desestabilização do país, mediante atentados e tensões étnico-religiosas. A mesma política que pode aplicar à Coreia do Norte, Venezuela ou Bolívia e a outros da sua lista do “Eixo do Mal” e todos os meios para perpetuar a sua absolutista hegemonia global. Que tentasse derrubar o seu aliadoTayyeb Erdogan é o cúmulo da intolerância. Antes dos trágicos atentados na Catalunha, o Estado Islâmico atacou a aldeia afegã de MIrza Olang. Encheu várias valas comuns com pelo menos 54 cadáveres de mulheres e homens e três meninos decapitados e levou umas 40 mulheres e meninas para violá-las.
Conclusão: o “jihadismo” não é fruto da exclusão dos muçulmanos nem sequer se trata da lógica dos vasos comunicantes e regresso dos “terroristas que criámos no Oriente”. “A vossa causa é nobre e Deus está convosco”, disse Zbigniew Brzezinski às suas criaturas, os jihadistas.

20 de Agosto de 2017

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* “Deixei metade da minha vida nas minhas terras persas e, quando aterrei nesta península de acolhimento, amada plataforma de exigência de pão e paz para todos, pus-me a exercer o desconcertante ofício de exilado: conhecer, aprender, admirar, transmitir, revelar e denunciar. Estes últimos aproveitando as aulas na universidade, os meios de comunicação e uma dezena de livros como “Robaiyat de Omar Jayyam” (DVD ediciones, 2004), “Kurdistán, el país inexistente” (Flor del viento, 2005), “Irak, Afganistán e Irán, 40 respuestas al conflicto de Oriente Próximo” (Lengua de Trapo, 2007 y “El Islam sin velo” (Bronce, 2009)”.


sábado, 12 de agosto de 2017




As ameaças de Trump à Venezuela são acompanhadas do mesmo discurso que Hitler fazia quando falava do "Reich dos mil anos". Trágico é os meios de comunicação, na sua maioria, servirem de 5ª coluna, abrindo o caminho à loucura de "fogo e fúria".


Esta imagem, retirada de um jornal espanhol, reproduz a foto de uma bomba, activada à distância, pela oposição, para atingir um grupo de polícias. No entanto, neste jornal e em muitos portugueses, serviu para ilustrar a repressão do governo de Maduro.
O texto de Juan Carlos Monedero analisa a situação política, social e económica venezuelana, da perspectiva de quem conhece muito bem aquele país, assumindo sobretudo a defesa dos Direitos Humanos.
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11 TESES SOBRE A VENEZUELA E UMA CONCLUSÃO DITADA PELA EXPERIÊNCIA

                                                                    Por Juan Carlos Monedero


“E empenhava-se em repetir o mesmo: “Isto não é como numa guerra… Numa batalha tens o inimigo pela frente… Aqui, o perigo não tem rosto nem horário”. Negava-se a tomar somníferos ou calmantes: “Não quero que me apanhem a dormir ou amodorrado. Se vierem por mim, defender-me-ei, gritarei, atirarei os móveis pela janela… Armarei um escândalo…”
                                                     Alejo Carpentier, A Consagração da Primavera

1    É indubitável que Nicolás Maduro não é Allende. Tão-pouco é Chávez. Porém, os que perpetraram o golpe contra Allende e contra Chávez são, e isso também é indubitável, os mesmos que estão, agora, intentando um golpe na Venezuela.

2.    Os inimigos dos teus inimigos não são os teus amigos. Podes não gostar de Maduro sem que isso implique esqueceres que nenhum democrata pode pôr-se ao lado dos golpistas, que inventaram os esquadrões da morte, os voos da morte, o paramilitarismo, o assassinato da cultura, a operação Condor, os massacres de camponeses e indígenas, o roubo dos recursos públicos. É compreensível que haja gente que não quer pôr-se do lado de Maduro, mas convém pensar que, no lado que apoia os golpistas, estão, na Europa, os políticos corruptos, os jornalistas mercenários, os nostálgicos do franquismo, os empresários sem escrúpulos, os vendedores de armas, os que defendem os ajustamentos económicos, os que festejam o neoliberalismo. Nem todos os que criticam Maduro defendem essas posições políticas. Conheço gente honesta que não suporta o que se está passando agora mesmo na Venezuela. É evidente, porém, que do lado dos que estão intentando um golpe militar nesse país, estão os que sempre apoiaram os golpes militares na América Latina ou os que põem os seus negócios acima do respeito pela democracia. Os meios de comunicação que estão a preparar a guerra civil na Venezuela são os mesmos conglomerados mediáticos que venderam que no Iraque havia armas de destruição maciça, que nos vendem que temos de resgatar os bancos com dinheiro público ou que defendem que a orgia dos milionários e dos corruptos temos que pagá-la entre todos com cortes e privatizações. Saber que se compartilha a trincheira com semelhante gente deveria fazer reflectir. A violência deve ser sempre a linha vermelha que não se deve ultrapassar. Não faz sentido que o ódio a Maduro ponha alguém decente ao lado dos inimigos dos povos.

3   Maduro herdou um papel muito difícil – gerir a Venezuela num momento de queda dos preços do petróleo e do regresso dos EUA à América Latina, depois da terrível aventura no Médio Oriente – e uma missão impossível – substituir Chávez. A morte de Chávez privou a Venezuela e a América Latina de um líder capaz de pôr em marcha políticas que tiraram da pobreza 70 milhões de pessoas no continente. Chávez entendeu que a democracia num só país era impossível e serviu-se dos seus recursos, num momento de acalmia, graças à recuperação da OPEP, para que se iniciasse a etapa mais luminosa das últimas décadas no continente: Lula no Brasil, Correa no Equador, Morales na Bolívia, Kirchner na Argentina, Lugo no Paraguai, Mujica no Uruguai, Funes em El Salvador, Petro em Bogotá e, inclusivamente, Bachelet no Chile, referenciavam essa nova etapa. A educação e a saúde chegaram aos sectores populares, completou-se a alfabetização, construíram-se habitações sociais, novas infraestruturas, transportes públicos (depois da sua privatização ou a venda e supressão dos comboios), travou a dependência do FMI, debilitou os laços com os EUA, criando a UNASUR e a CELAC.
Há, também, sombras, principalmente ligadas à debilidade estatal e à corrupção. Mas seria necessário um século para que os casos de corrupção nos governos progressista da América Latina somem, para citar só um aspecto, o custo da corrupção que o resgate bancário significa. A propaganda dos senhores da propaganda acaba por conseguir que o oprimido ame o opressor. Nunca, desde a demonização de Fidel de Castro, nenhum líder latino-americano foi tão vilipendiado como Hugo Chávez, que, para repartir pelos pobres, teve de dizer aos ricos, da América e também da Europa, que tinham de ganhar um pouco menos. Nunca toleraram isso, o que é compreensível, especialmente em Espanha, onde, a meio da crise, responsáveis económicos e políticos do Partido Popular roubavam às mãos cheias ao mesmo tempo que diziam às pessoas que tinham que apertar o cinto. Ia Chávez, esse “gorila”, travar-lhes os negócios? Desde que ganhou as primeiras eleições em 1998, Chávez teve de enfrentar numerosas tentativas para derrubá-lo. Claro está, com a inestimável ajuda da direita espanhola, primeiro com Aznar, logo com Rajoy e a já conhecida participação de Felipe González como lobistas dos grandes capitais (é curioso que o mesmo Aznar que fez negócios com a Venezuela e com a Líbia se tenha convertido de imediato em executor quando lho ordenaram. Kadafi, inclusivamente, presentiou Aznar com um cavalo. Pablo Casado foi o assistente de Aznar nessa operação e, de imediato, coisas da direita, festejaram o seu assassinato).

4.    Chávez não legou a Maduro os equilíbrios nacionais e regionais que construiu, políticos, económicos e territoriais. Eram uma construção pessoal, num país que saía das taxas de pobreza de 60% da população, quando Chávez chegou ao governo. Há mudanças que necessitam uma geração. É aí onde a oposição pretende estrangular Maduro, com problemas mal resolvidos como as importações, os dólares preferenciais ou as dificuldades de travar a corrupção que desembocam no desabastecimento. Contudo, Maduro soube reeditar o acordo “cívico-militar” que tanto contraria os amigos do golpismo. Coisa evidente, pois os EUA sempre fizeram os golpes procurando apoios em militares autóctones, mercenários e desertores. Os exércitos na América Latina só se explicam na sua relação com os EUA, que os formaram, quer em tácticas de tortura ou “luta contra- insurrecional”, quer no uso das armas que lhes vendem ou no respeito devido aos interesses norte-americanos. Na Venezuela, os mesmos que formaram os assassinos da Escola Mecânica da Armada argentina ou que ampararam o assassino Pinochet têm mais dificuldades (o assalto por parte de mercenários vestidos de militares a um quartel em Carabobo tinha em mira construir a sensação de fissuras no exército, algo que nos dias de hoje não parece existir). Tal como compraram militares, os EUA sempre compraram juízes, jornalistas, professores, deputados, senadores, presidentes, sicários e quem fizer falta para manter a América como o seu “pátio traseiro”. O cartel mediático internacional sempre lhes cobriu as costas. A existência dos EUA como império é que construiu o exército venezuelano. Os novos oficiais formaram-se no discurso democrático soberano e anti-imperialista. A sua maioria. Há também uma oficialidade – a maioria já a reformar-se – que se formou na velha escola e as suas razões para defenderem a Constituição venezuelana serão mais particulares. As deficiências do Estado venezuelano também afectam o exército, sobretudo em zonas problemáticas como as fronteiras. Mas os quartéis na Venezuela estão com o Presidente constitucional. E, por isso, é ainda mais patético ouvir o democrata Felipe González pedir aos militares venezuelanos que dêem um golpe contra o governo de Nicolás Maduro.

5.    A estas dificuldades de terem herdado os equilíbrios estatais e os acordos na região (a amizade de Chávez com os Kirchner, com Lula, com Evo, com Correa, com Hugo) há que acrescentar que a guerra da Arábia Saudita com o fracking (1) e com a Rússia afundou os preços do petróleo, a principal riqueza da Venezuela. Esta inesperada queda do preço do petróleo colocou o governo de Maduro numa situação complicada (é o problema das “monoculturas”. Para entender isso, basta pensar no que aconteceria em Espanha se o turismo se afundasse em 80% por causas alheias a um governo. Rajoy conseguiria 7 ou 8 milhões de votos numa situação assim?). Maduro teve que reconstruir os equilíbrios do poder num momento de crise económica brutal.

6.    A oposição na Venezuela anda a tentar dar um golpe de Estado desde o próprio dia em que Chávez ganhou. A Venezuela foi a figura de proa da mudança continental. Acabar com a Venezuela é retirar o tampão para que aconteça o mesmo nos sítios onde o neoliberalismo não regressou ainda. Às oligarquias incomodam-lhes os símbolos que debilitam os seus pontos de vista. Passou-se com a II República em 36, passou-se no Chile com Allende em 1973. Acabar com a Venezuela chavista é regressar à hegemonia neoliberal e, inclusivamente, às tentações ditatoriais dos anos 70.


7.    A Venezuela tem, para mais, as maiores reservas de petróleo do mundo, de água, de biodiversidade, o Amazonas, ouro e coltan (talvez a maior reserva do mundo). Os mesmos que levaram a destruição à Síria, ao Iraque ou à Líbia, para roubar-lhes o petróleo, querem fazer o mesmo na Venezuela. E, previamente, necessitam ganhar a opinião pública para que o roubo não seja tão evidente. Necessitam reproduzir na Venezuela a mesma estratégia que construíram quando falavam de armas de destruição maciça no Iraque. Ou não houve muita gente honesta que acreditou haver armas de destruição maciça no Iraque? Hoje, aquele país, antes próspero, é uma ruína. Quem acreditou naquelas mentiras do PP que veja como está, hoje, Mossul. Parabéns aos ingénuos! As mentiras continuam todos os dias. A oposição pôs uma bomba à passagem de polícias em Caracas e todos os meios de comunicação impressos publicaram a fotografia como se a responsabilidade fosse de Maduro. Um helicóptero roubado lançou granadas contra o Tribunal Supremo e os meios de comunicação silenciaram. São actos terroristas. Desses que abrem as primeiras páginas e os telejornais. Excepto quando sucedem na Venezuela. Um referendo ilegal na Venezuela “pressiona o regime até ao limite”. Um referendo ilegal na Catalunha é um acto que raia o delito de insurreição.

8.    O cartel mediático internacional encontrou um filão. Trata-se de uma reedição do medo perante a Rússia comunista, a Cuba ditatorial ou o terrorismo internacional (nunca dirão que o ISIS é uma construção ocidental, financiada com capital norte-americano, principalmente). A Venezuela converteu-se num novo demónio. Isso permite-lhes acusar os adversários de “chavistas” e evita falar da corrupção, do esvaziamento da caixa das pensões, da privatização dos hospitais, escolas e universidades ou dos resgates bancários. Mélenchon, Corbyn, Sanders, Podemos ou qualquer força de mudança na América Latina são desqualificados com a acusação de chavistas, numa altura em que acusar de comunista ou de etarra já não colhe. O jornalismo mercenário leva anos com esta estratégia. Nunca ninguém explicou que política genuinamente bolivariana está nos programas dos partidos da mudança. Mas pouco importa. O importante é difamar. E gente de boa vontade acaba por crer que há armas de destruição maciça ou que a Venezuela é uma ditadura onde, curiosamente, todos os dias a oposição se manifesta (inclusivamente atacando instalações militares), onde os meios de comunicação criticam livremente Maduro (não como na Arábia Saudita, Marrocos ou EUA) ou onde a oposição governa em municípios e regiões. É a mesma táctica que, durante a guerra fria, construiu o “perigo comunista”. Por isso, em Espanha temos, com a Venezuela, uma nova Comunidade Autónoma de que só falta dizerem-nos, no final dos telejornais, que tempo vai fazer em Caracas nesse dia. Cada cem vezes que se diz “Venezuela”, 95 só procuram distrair, ocultar ou mentir.

9.    A Venezuela tem um problema histórico que não está resolvido. Por carecer de minas enquanto foi colónia, não foi um vice-reino, mas simples capitania-geral. O século XIX foi uma guerra civil permanente e, no século XX, quando começou a construir o Estado, já tinha petróleo. O Estado venezuelano foi sempre rentista, carente de eficácia, corroído pela corrupção e refém das necessidades económicas dos EUA em conluio com as oligarquias locais. O choque entre o Parlamento e a chefia do Estado actual deveria ter sido resolvido juridicamente. Sinais de ineficiência vêm sendo evidentes desde há muito. O rentismo venezuelano nunca foi superado. A Venezuela redistribuiu a renda do petróleo pelos mais humildes, mas não superou essa cultura política rentista, nem melhorou o funcionamento do Estado. Não nos enganemos, porém. O Brasil tem uma estrutura jurídica mais consolidada e o Parlamento e alguns juízes deram um golpe de Estado contra Dilma Roussef. Donald Trump pode mudar o Procurador-Geral e não se passa nada, mas se Maduro o faz, chefe de Estado igualmente eleito em eleições, é acusado de ditador. Parte das críticas a Maduro é mentirosa porque esquece que a Venezuela é um sistema presidencialista. É por isso que a Constituição permite ao Presidente convocar uma Assembleia Constituinte. Gostar-se-á mais ou menos, mas o artigo 348 da Constituição vigente da Venezuela faculta ao Presidente essa tarefa, tal como em Espanha o Presidente do Governo pode dissolver o Parlamento.

10. Zapatero e outros ex-presidentes, o Papa, as Nações-Unidas vêm pedindo a ambas as partes, na Venezuela, que dialoguem. A oposição reuniu cerca de sete milhões de votos, embora seja mais complicado que possam chegar a um acordo em torno de um só candidato ou candidata à presidência do país). Maduro, num contexto regional muito complicado, com fortes apertos económicos que afectam a compra de produtos básicos, incluindo medicamentos, juntou oito milhões de votos (mesmo que fossem sete, segundo as declarações tão suspeitas do presidente do Smarmatic, que acaba de assinar um contrato milionário na Colômbia). A Venezuela está claramente dividida. A oposição, como de outras vezes, optou pela violência e, portanto, não entende que Maduro some tantos milhões de votos. Se em Espanha um grupo queimasse centros de saúde e escolas, disparasse contra o Tribunal Supremo, assaltasse quartéis, contratasse marginais para semear o terror, impedisse, com lutas de rua, o trânsito, e, inclusivamente, queimasse vivas as pessoas por pensarem diferentemente, alguém estranharia que a cidadania votasse na direcção contrária à desses loucos?

11. Fracassada a via violenta, à oposição venezuelana restam duas possibilidades: continuar com a via insurrecional, alentada pelo Partido Popular, Donald Trump e a extrema-direita internacional, ou tentar ganhar nas urnas. Os EUA continuam a pressionar (em declarações a um semanário uruguaio, o Presidente Tabaré disse que votou a expulsão ilegal da Venezuela do Mercosur por medo às represálias dos países grandes). 57 países da Nações Unidas exigiram que se respeite a soberania da Venezuela. Como os EUA não conseguem maioria para forçar a Venezuela, insistem em inventar espaços (como a declaração de Lima, sem qualquer força jurídica, por não ter conseguido maioria na OEA). A direita mundial quer acabar com a Venezuela, mesmo que isso custe sangue e fogo à população venezuelana. Por isso, alguns opositores, como Henry Ramos-Allup, apelaram ao fim da violência. A Venezuela tem no horizonte eleições municipais e regionais. Esse é o cenário onde a oposição deveria demonstrar a maioria que reclama. A Venezuela tem que convocar essas eleições e é uma excelente oportunidade para medir forças, eleitoralmente. Porque, de contrário, o choque que estamos a ver enquistar-se-á e converter-se-á numa gangrena terrível. A quem interessa uma guerra civil na Venezuela? Não nos enganemos. Os direitos humanos não interessam nem ao PP, nem a Trump. Se fosse assim, romperiam com a Arábia Saudita, que vai decapitar 15 jovens por manifestarem-se durante a Primavera árabe e dá chicotadas às mulheres que conduzem ou com a Colômbia onde sobem a 150 os assassinatos pelos paramilitares, nos últimos meses; ou no México, onde se assassina cada mês a um jornalista e aparecem valas comuns com dezenas de cadáveres. Penas de 75 anos estão-se pedindo nos EUA para manifestantes contra as políticas de Trump. A Venezuela converteu-se, em Espanha, na 18ª comunidade autónoma, só porque o presidente Rajoy teve de comparecer como testemunha pela corrupção do seu Partido. É mais fácil falar da Venezuela do que da corrupção dos 800 processados do PP. E há ingénuos que acreditam neles! Que dirão agora, quando a maior parte da oposição aceitou participar nas eleições regionais? O pacto entre o PSOE e Podemos, em Castilla-la-Mancha foi apresentado pela direita manchega como o começo da venezuelização de Espanha. Quanto descaramento e quanta estupidez! E há gente que acredita neles! Entretanto o PP guarda silêncio perante, por exemplo, as perseguições que a ditadura monárquica marroquina faz em Espanha aos dissidentes políticos ou por ordem do ditador Erdogan prende um jornalista crítico da ditadura turca. Haverá alguém que nos diga que a estes governos lhes interessa os direitos humanos?

Conclusão: Não é preciso estar de acordo, nem pouco mais ou menos, com Maduro e a sua maneira de fazer as coisas, para não aceitar o golpe de Estado que se quer construir na Venezuela. Estamos a falar de não voltar a cometer os mesmos erros, acreditando nas mentiras que os meios de comunicação constroem. A Venezuela tem de resolver os seus problemas, dialogando. É evidente que tem problemas. Mas, duas metades enfrentadas não vão a lado nenhum, monologando. Mesmo que uma parte seja apoiada pelos países mais poderosos do âmbito neoliberal. Nem o PP nem a direita querem diálogo. Querem que Maduro se entregue. E crê alguém que 8 milhões de votantes da Assembleia Constituinte iam ficar de braços cruzados? O novo governo reprimi-los-ia e, inclusivamente, assassiná-los-ia. Os meios de comunicação diriam que a democracia venezuelana estava a defender-se dos inimigos da democracia. E voltaria a haver gente ingénua que acreditaria neles. Do resto do mundo, em nome da democracia, bastam duas coisas: exigir e encorajar o diálogo na Venezuela e entender que seria bom não permitir nem ao PP, nem às direitas internacionais, começando por Donald Trump, reeditar uma das suas misérias mais horríveis que consiste em semear a dor noutros sítios, para ocultar a dor que provocam nos nossos próprios países.