O QUE ELES ESCONDEM

sexta-feira, 3 de julho de 2015

O terrorismo financeiro contra a Grécia

Por Vicenç Navarro*

Estamos hoje a ver um ataque frontal do capital financeiro, hegemonizado pelo alemão, e veiculado, principalmente, através do Banco Central Europeu (BCE), contra o povo grego, ataque que tenta evitar qualquer assomo de rebeldia frente às políticas de austeridade, que estão a destruir o bem-estar das classes populares de todos os países da Zona Euro e, muito particularmente, da Grécia, cujo governo Syriza foi o primeiro a dizer “JÁ BASTA” face ao que não há outra forma de lhe chamar senão terrorismo financeiro (ver o livro do Professor Juan Torres e eu, intitulado Los amos del mundo las armas del terrorismo financiero). Neste momento, há que entender o contexto político e histórico do que está a acontecer, começando pelas semelhanças existentes entre o ocorrido na Grécia, agora, e o que sucedeu em Espanha, em 1936.

Espanha 1936, Grécia 2015

Existem momentos na história da Europa em que a luta pela justiça e pela democracia num país é, também, a luta pela justiça e pela democracia para todos os países do continente europeu. A luta, mal chamada Guerra Civil, em Espanha (entre 1936 e 1939), foi exemplo disso. No território espanhol, um golpe militar, em nome das minorias que controlavam o país, teve lugar em 18 de Julho de 1936, com o apoio das tropas nazis alemãs e fascistas italianas, frente à grande maioria das classes poopulares dos distintos povos e nações de Espanha, que resistiram ao golpe heroicamente, durante mais de três anos, com escassa ajuda militar dos países governados por partidos que se autodefiniam como democratas, mostrando uma grande traição aos princípios democráticos, que diziam defender.

A derrota das forças democráticas espanholas significou, também, a derrota da democracia na Europa Ocidental, com a vitória do nazismo e do fascismo em muitos países daquela Europa, iniciando-se a 2ª Guerra Mundial. E, em Espanha, aquela vitória significou o início de um regime ditatorial, que se caracterizou por uma enorme brutalidade (por cada assassinato político cometido por Mussolini, o ditador Franco cometeu 10.000, segundo o maior especialista em fascismo europeu, o Professor Malefakis, da Universidade de Columbia, na cidade de Nova Iorque) e que impôs um enorme atraso económico, político, social e cultural, em Espanha. Em 1936, Espanha e Itália tinham um nível de desenvolvimento económico semelhante. Em, 1978, data em que terminou aquele horrível regime ditatorial, o PIB per capita espanhol era apenas 62% do italiano. Este foi o custo económico daquele regime.

O que se está a passar na Grécia?

Salvo as diferenças que existem em cada facto histórico, o certo é que, na Grécia, temos assistido a uma situação semelhante, em que a luta pela justiça social e pela democracia naquele país é a luta pela justiça social e pela democracia em todos os países da Europa Ocidental. A preservação da justiça  social e da democracia, nos países da União Europeia, está em jogo, hoje, naquele país A sua derrota limitará enormemente, até anulá-las, tanto uma como outra, completando um processo iniciado há anos com a construção de um sistema de governo da Zona Euro, dominado pelo capital financeiro (hegemonizado pelo alemão), que, numa coligação das minorias governantes em cada país, têm estado a agredir o povo grego, destruindo 25% da sua riqueza nacional, o PIB, com o desmantelamento do seu já escasso Estado de Bem-estar, saqueando-o, roubando-lhe as suas propriedades e atacando as classes populares, muito particularmente, a sua classe trabalhadora, assalto que se tem realizado em colaboração com as elites corruptas e antidemocráticas que governaram a Grécia durante muitíssimos anos. Este ataque (e não há outra maneira de o definir) foi levado a cabo em aliança com as minorias que representam as classes dominantes dos países membros da União Europeia, sendo um aliado importante, nesta luta de classes que está a ter lugar a nível continental, as elites corruptas governantes do Estado espanhol, herdeiras das que dominaram, durante a ditadura fascista em Espanha.

O ramo político deste capital financeiro – os partidos conservadores e liberais, com a inestimável ajuda dos partidos socioliberais (que ainda têm a ousadia de auto-intitular-se social-democratas, depois de terem abandonado qualquer assomo de parecença com essa tradição política), estabeleceram uma ditadura na União Europeia, que tem imposto políticas sumamente impopulares, sem mandato popular (pois não estavam nos seus programas eleitorais), alcançando uma máxima implementação na Grécia. Hoje, a riqueza destruída naquele país, ainda pobre na Europa, é maior do que a riqueza destruída em França e na Alemanha durante a 1ª Guerra Mundial. Pensões e serviços públicos do Estado de Bem-estar estão a ser dizimados e os contratos colectivos, que defendem o mundo do trabalho, estão sendo enormemente debilitados, tudo como consequência das políticas neoliberais impostas pelo establishment neoliberal europeu, que controla o governo da União Europeia e da Zona Euro, com a assistência do Fundo Monetário Internacional. É um exemplo mais do terrorismo financeiro, tão prejudicial como o terrorismo militar, sendo muito mais extenso.

O objectivo político do establishment europeu é destruir qualquer rebelião contra esta ditadura financeira.

O que está a acontecer hoje é a tentativa de destruir o Syriza, o primeiro governo que, representando os interesses das classes populares, tentou parar tanta barbárie, rebelando-se contra as políticas públicas de austeridade, como lhe foi mandatado pelo povo grego. Como indiquei em artigos anteriores, o que a ditadura financeira quer não é expulsar a Grécia do euro, mas expulsar o Syriza do governo. E conta para isso com a classe política grega, corrupta até à medula, que controla a grande maioria dos meios de informação e persuasão daquele país, como também ocorre em Espanha.

A Grécia foi a maior vítima deste sistema terrorista, que está a ser aplicado à Zona Euro, causando o maior desastre social que se conhece, na Europa Ocidental, desde 1945. Daí a urgência e necessidade de ajudar as forças democráticas gregas, saindo para a rua, em frente às delegações da EU em Espanha, para mostrar o repúdio por este terrorismo. A Europa, que era o sonho da resistência antifascista durante os anos de clandestinidade, é agora um pesadelo, em consequência da deterioração tão evidente da democracia e da solidariedade, resultado do terrorismo financeiro, que domina, hoje, este continente.

O que está a acontecer neste momento?

Como era de esperar, a maioria dos meios de grande difusão em Espanha, altamente financiados pelo capital financeiro, responsabilizaram, pelo que está a acontecer, nada menos que a vítima daquele terrorismo. Frente a tanta mentira, é importante sublinhar

1. A enorme necessidade e urgência de responder a tanta falsidade, denunciando os meios de comunicação por falsearem a realidade, tanto do que tem vindo a acontecer, como do que aconteceu estes dias.

2. Que o Banco Central Europeu (BCE), que já mostrou a sua hostilidade para com o governo Syriza dois dias apenas depois de ter sido eleito, ameaçou destruir o sistema bancário grego, fechando toda a transferência para as suas entidades bancárias.

3. Que as exigências das Instituições Europeias (formadas, além do que se chamava a Troika – BCE, Comissão Europeia e FMI – pelo Eurogrupo), que incluem o pagamento da dívida, são um ataque frontal à sobrevivência da Grécia, pois é impossível pagar tal dívida e, ao mesmo tempo, reactivar a economia grega. Estas exigências chegaram a níveis escandalosos, como obrigar a uma redução das pensões públicas que signifique um corte equivalente a 1% do PIB, ao mesmo tempo que essas mesmas instituições se opõem ao pedido do Syriza em aumentar os impostos das classes mais ricas, vetando, também, um imposto sobre os grandes iates dessas classes.

4. Que a aplicação das políticas de austeridade causou um autêntico desastre social e económico, gerando, simultaneamente, um aumento, e não uma diminuição, da dívida pública, da qual só os bancos estrangeiros beneficiaram, muito particularmente os alemães e franceses, mas também os espanhóis.

5. Que quando estes bancos estiveram em risco de perder os seus enormes lucros, gerados pelos juros que a Grécia era forçada a pagar e não poderia pagar,, foram os governos da Eurozona que os resgataram, sob a falsa desculpa de que tentavam ajudar a Grécia.

6. Que foram as instituições do establishment europeu que, desde o primeiro dia do governo Syriza, mostraram uma enorme rigidez, ignorando os pedidos deste governo, que não eram nem mais nem menos do que o que haviam permitido ao Estado alemão quando a sua dívida estava a asfixiá-lo. Nestas condições, fez-se um perdão de 50% da dívida pública alemã e o pagamento da restante dívida ficou condicionado ao crescimento da economia alemã. As instituições do establishment europeu opuseram-se sistematicamente e, inclusive, negaram-se a considerar esta alternativa que o governo grego apontara.

7. Que o BCE, em aliança com a classe com a classe corrupta dominante, na Grécia, que controla a maioria dos meios de informação, está a tentar que, estes dias, antes do referendo do próximo fim-de-semana, haja um caos na situação financeira grega, para mobilizar a oposição ao governo Syriza, no referendo, com a intenção de conseguir o que sempre desejaram, expulsar o Syriza do governo.

8. Que a derrota do Syriza será uma derrota da luta contra a austeridade na Eurozona. O Syriza não tinha nenhuma outra alternativa senão fazer o que fez, pedindo a opinião do eleitorado grego, pois o Syriza foi escolhido para acabar com as políticas de austeridade. Se as instituições europeias não o deixam fazer o que prometeu, é uma demonstração mais do seu compromisso e coerência democráticos o facto de o Syriza considerar necessário pedir ao povo grego que decida se aceita as mudanças sugeridas pelo establishment europeu ou se deseja que o governo desobedeça a tais propostas.

9. Que tudo o que está a acontecer na Grécia afecta directamente as classes populares de todos os povos e nações de Espanha. Daí que o governo Rajoy tenha sido o maior aliado no Eurogrupo do Ministro das Finanças alemão – o falcão do Eurogrupo -, pois o governo espanhol foi dos que levaram a cabo tais políticas de austeridade com maior dureza, apresentando-se como modelo a seguir na Eurozona. O tsunami político ocorrido neste país nas últimas eleições municipais assustou o establishment neoliberal que governa a Eurozona, contribuindo para aumentar a sua rigidez negociadora, pois querem, por todos os meios, que o Syriza fracasse. Tentam, assim, assustar a população espanhola, cada vez mais enojada com as políticas neoliberais, promovidas pelo establishment espanhol (e, aqui, na Catalunha, pelo establishment catalão) e os seus meios de informação e persuasão. O medo é, uma vez mais, a estratégia seguida pela estrutura de poder, perante o número crescente de cidadãos que querem tomar o controlo do seu presente e futuro. Daí o enorme temor de que os cidadãos sejam conscientes de que se pode mudar as realidades que os oprimem, se se organizarem para isso. E isto é o que o establishment neoliberal europeu não pode permitir. Nem mais nem menos.
                                                                                                              _______                                                                                                
* Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona. Foi Catedrático de Economia Aplicada, na Universidade de Barcelona. É também professor de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University (Baltimore, EUA). Dirige o Observatório Social de Espanha.

O texto original encontra-se em http://www.vnavarro.org/?p=12316 





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