O QUE ELES ESCONDEM

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

 
 
Viagem a uma nova Bolívia
Por Ignácio Ramonet*
Os novos teleféricos urbanos, de extraordinária tecnologia futurista, mantêm, acima da cidade, um balé permanente de cabines coloridas, elegantes e etéreas como bolhas de sabão.
 
Para o viajante que volta à Bolívia após alguns anos de ausência, e que caminha lentamente pelas ruas estreitas de La Paz – cidade marcada por ravinas escarpadas a quase quatro mil metros de altitude – as transformações saltam aos olhos: já não se veem pessoas a pedir esmola, nem vendedores informais que enchiam os passeios. As pessoas vestem-se melhor, têm um ar mais saudável. E a capital tem uma aparência mais bem tratada, mais limpa, com muitos espaços verdes. Ressalta também o surgimento de novas construções. Despontaram duas dezenas de grandes imóveis e multiplicaram-se os centros comerciais; um deles tem o maior complexo de cinemas (18 salas) da América do Sul.
Mas o mais espetacular são os teleféricos urbanos, de extraordinária tecnologia futurista1, que mantêm, acima da cidade, um balé permanente de cabines coloridas, elegantes e etéreas como bolhas de sabão. Silenciosas e não poluentes. Duas linhas estão a funcionar agora, a vermelha e a amarela; uma terceira, a verde, será inaugurada nas próximas semanas, permitindo assim a criação de uma rede interligada de transporte a cabo de 11 km, a maior do mundo. Isso vai permitir que dezenas de milhares de moradores de La Paz economizem em média duas horas de viagem por dia.
Duas linhas de teleféricos já estão a funcionar, uma terceira será inaugurada em breve.Duas linhas de teleféricos já estão a funcionar, uma terceira será inaugurada em breve.

“A Bolívia muda. Evo cumpre as suas promessas”, afirmam cartazes nas ruas. E pode-se constatar que o país é de facto outro. Muito diferente daquele que conheci há apenas uma década, quando foi considerado “o Estado mais pobre da América Latina depois do Haiti.” Corruptos e autoritários na sua maioria, os seus governos passavam os anos a implorar empréstimos aos organismos financeiros internacionais, às principais potências ocidentais ou às organizações humanitárias. Enquanto isso, as grandes empresas de mineração estrangeiras pilhavam o subsolo, pagando ao Estado royalties de miséria e prolongando a espoliação colonial.
Relativamente pouco povoada (cerca de dez milhões de habitantes), a Bolívia tem superfície de mais de um milhão de quilómetros quadrados (duas Franças). As suas entranhas transbordam de riquezas: prata (faz lembrar Potosí …), ouro, estanho, ferro, cobre, zinco, tungsténio, manganês etc. O sal de Uyuni tem as maiores reservas no mundo de potássio e lítio – considerado a energia do futuro. Mas hoje, a principal fonte de rendimentos é constituída pelo setor de hidrocarbonetos: gás natural (a segunda maior reserva da América do Sul), e petróleo (em menor quantidade, por volta de 16 milhões de barris ao ano).
No decorrer dos últimos nove anos, após a chegada de Evo Morales ao poder, o crescimento económico da Bolívia foi sensacional, com uma taxa média anual de 5%. Em 2013, o crescimento do PIB atingiu 6,8%2; em 2014 e 2015, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), será igualmente superior a 5%… É o percentual mais elevado da América Latina3. E tudo isso com uma inflação moderada e controlada, inferior a 6%.
Assim, o nível material de vida duplicou4. As contas públicas, embora com importantes investimentos sociais, são igualmente controladas, a tal ponto que a balança comercial oferece resultado positivo com excedente orçamentário de 2,6% (em 2014)5. Embora as exportações, principalmente de hidrocarbonetos e de produtos de mineração, desempenhem papel importante nessa prosperidade económica, é a procura interna (+5,4%) que constitui o principal motor do crescimento. Finalmente, outro sucesso sem precedentes da gestão do ministro da economia, Luis Arce: as reservas monetárias internacionais da Bolívia agora equivalem a 47% do PIB6, colocando pela primeira vez o país em primeiro lugar na América Latina, bem à frente de Brasil, do México e da Argentina. Evo Morales indicou que a Bolívia pode deixar de ser um país endividado em nível estrutural para tornar-se um país credor. Ele revelou que “quatro Estados da região”, sem especificar quais, já solicitaram crédito ao governo …
Evo Morales: Bolívia ode deixar de ser um país endividado em nível estrutural para tornar-se um país credor. Foto de Juanky Pamies Alcubilla
 
Num país onde mais de metade da população é de origem indígena, Evo Morales, eleito em janeiro de 2006, é o primeiro índio a tornar-se presidente no decorrer dos últimos cinco séculos. E, após ter assumido o poder, esse presidente diverso rejeitou o “modelo neoliberal” e substituiu-o por um novo “modelo económico social comunitário produtivo”. A partir de maio de 2006, nacionalizou os setores estratégicos (hidrocarbonetos, indústria de mineração, eletricidade, recursos ambientais) geradores de excedentes, e investiu parte desse excedente nos setores geradores de emprego: indústria, produtos manufaturados, artesanato, transporte, agricultura e pecuária, habitação, comércio etc. Consagrou a outra parte do excedente à redução da pobreza por meio de políticas sociais (educação, saúde), aumentos salariais (para funcionários e trabalhadores do setor público), estímulos à integração (os bónus Juancito Pinto7, a pensão “dignidade”8, os bónus Juana Azurduy9) e subsídios.
Os resultados da aplicação desse modelo não se refletem apenas nos números acima, mas também num dado bem explícito: mais de um milhão de bolivianos (10% da população, portanto) saíram da pobreza. A dívida pública, que representava 80% do PIB, diminui e mal chega a 33%. A taxa de desemprego (3,2%) é a mais baixa da América Latina, a tal ponto que milhares de imigrantes bolivianos na Espanha, Argentina e Chile começam a voltar, atraídos pelo pleno emprego e notável aumento do padrão de vida.
Além disso, Evo Morales começou a tornar verdadeiro um Estado que até ao presente não era senão virtual. É claro que a vasta e torturada geografia da Bolívia (um terço de altas montanhas andinas, dois terços de planícies tropicais e da Amazónia), assim como a divisão cultural (36 nações etnolinguísticas) nunca facilitaram a integração e a unificação. Mas o que não foi feito em quase dois séculos, o presidente Morales está determinado a colocar em prática, para dar fim ao desmembramento. Isso passa, antes de tudo, pela promulgação de uma nova Constituição, aprovada por referendo, que estabelece pela primeira vez um “Estado plurinacional” e reconhece os direitos de nações diversas que coabitam no território boliviano. Em seguida, passa pelo lançamento de uma série de ambiciosas obras públicas (estradas, pontes, túneis) com o objetivo de conectar, articular, servir áreas dispersas para que os seus habitantes sintam que fazem parte de um mesmo conjunto: a Bolívia. Isso nunca tinha sido feito. É a razão por que o país teve tantas tentativas de divisão, separatismo e fracionamento.
Hoje, com todos esses êxitos, os bolivianos sentem-se – talvez pela primeira vez – orgulhosos de si. Estão orgulhosos da sua cultura indígena e das suas línguas nativas. Estão orgulhosos da sua moeda, que a cada dia ganha um pouco mais de valor em relação ao dólar. Estão orgulhosos de ter o mais elevado crescimento económico e as reservas monetárias mais importantes da América Latina. Orgulhosos das suas realizações tecnológicas como a rede de teleféricos de última geração, do seu satélite de telecomunicações Tupac Katari, da sua rede de televisão pública Bolivia TV10. Essa rede, dirigida por Gustavo Portocarrero, deu em 12 de outubro, dia das eleições presidenciais, uma demonstração notória da sua excelência tecnológica ao conectar-se diretamente – durante 24 horas ininterruptas – com os seus enviados especiais em cerca de 40 cidades do mundo (Japão, China, Rússia, Índia, Egito, Irão, Espanha etc.), onde bolivianos que vivem no exterior votaram pela primeira vez. Proeza técnica e humana que poucos canais de TV do mundo seriam capazes de conseguir.
Todas essas realizações – económicas, sociais, tecnológicas – só explicam em parte a vitória esmagadora de Evo Morales e de seu partido (o Movimiento al Socialismo, MAS) nas eleições de 12 de outubro último11. Ícone da luta dos povos indígenas e autóctones de todo o mundo, graças a este novo triunfo, Evo conseguiu romper preconceitos importantes. Ele prova que a permanência no governo não causa, necessariamente, desgastes; e que, após nove anos no poder, é possível conseguir uma reeleição esmagadora. Prova também que, ao contrário do que afirmam os racistas e colonialistas, “os índios” sabem governar e podem ser os melhores líderes que o país já teve. Prova que, sem corrupção, com honestidade e eficácia, o Estado poder ser um excelente administrador, e não uma calamidade sistemática, como pretendem os neoliberais. Finalmente, Evo prova que a esquerda no poder pode ser eficaz; que pode gerir políticas de integração e redistribuição de riquezas sem pôr em perigo a estabilidade da economia.
Mas essa grande vitória eleitoral explica-se também, e talvez sobretudo, por razões políticas. O presidente Evo Morales conseguiu vencer, ideologicamente, seus principais adversários, agrupados no seio da casta de empresários da província de Santa Cruz, principal motor económico do país. Esse grupo conservador, que tentou tudo contra o presidente – desde o ensaio de divisão do país até o golpe de Estado –, acabou finalmente por submeter-se e render-se ao projeto presidencial, reconhecendo que o país está em plena fase de desenvolvimento.
O vice-presidente Álvaro García Linera. Foto de Matthew Straubmuller

É uma vitória considerável, que o vice-presidente Álvaro García Linera explica nestes termos: “Conseguimos integrar o leste da Bolívia e unificar o país, graças à derrota política e ideológica de um núcleo político de empresários ultraconservadores, racistas e fascistas, que conspiraram para dar um golpe de Estado e financiaram grupos armados para organizar uma divisão do território oriental. Além disso, esses nove anos têm mostrado às classes médias urbanas e aos setores populares de Santa Cruz, que estavam cautelosos, que temos melhorado as suas condições de vida, que respeitamos o que foi construído em Santa Cruz e suas especificidades. Somos evidentemente um governo socialista, de esquerda, e dirigido por indígenas. Mas desejamos melhorar a vida de todos. Enfrentamos as empresas petrolíferas estrangeiras, da mesma forma que as empresas de energia elétrica, e fizemo-las dar a sua contribuição para depois, com esses recursos, dar poder ao país, principalmente aos mais pobres – mas sem afetar as posses das classes médias ou do setor empresarial. Esta é a razão por que foi possível um reencontro com o governo de Santa Cruz, e que deu tantos frutos. Nós não mudamos de atitude, continuamos a dizer e a fazer as mesmas coisas que há nove anos. Eles é que mudaram de atitude diante de nós. Desde então, começa esta nova etapa do processo revolucionário boliviano, que é a da irradiação territorial e da hegemonia ideológica e política. Eles começam a compreender que não somos seus inimigos, que é do interesse deles praticar a economia sem entrar na política. Mas se, como empresários, tentarem ocupar as estruturas do Estado e quiserem combinar política e economia, não vão conseguir. Da mesma forma, não pode ser que um militar assuma também o controlo civil, político, uma vez que eles já têm o controlo das armas.”
No seu gabinete do Palácio Quemado (palácio presidencial) o ministro da Presidência, Juan Ramón Quintana, explica isso numa frase: “Vencer e integrar”. “Não se trata – diz ele – de derrotar o adversário e abandoná-lo à sua sorte, correndo o risco de que comece a conspirar com o ressentimento do derrotado e embarque em novas tentativas de golpe. Uma vez vencido, é preciso incorporá-lo, dar-lhe oportunidade de juntar-se ao projeto nacional em que todos estão envolvidos, sob a condição de que admitam e se submetam ao facto de que a direção política, pela decisão democrática das urnas, é exercida por Evo e o MAS.”
E agora? O que fazer com uma vitória assim esmagadora? “Temos um programa12 – afirma tranquilamente Juan Ramón Quintana – queremos erradicar a pobreza, dar acesso universal aos serviços públicos básicos, garantir uma saúde e uma educação de qualidade para todos, desenvolver a ciência, a tecnologia e a economia do conhecimento, estabelecer uma administração económica responsável, ter uma gestão pública transparente e eficaz, diversificar a nossa produção, industrializar o país, alcançar a soberania alimentar e agrícola, respeitar a mãe Terra, avançar em direção a uma maior integração latino-americana e com os nossos parceiros do Sul, integrar-nos ao Mercosul e alcançar o nosso objetivo histórico, fechar a nossa ferida aberta: recuperar a nossa soberania marítima e o acesso ao mar”13.
Por sua vez, Evo Morales exprimiu o seu desejo de ver a Bolívia tornar-se o “coração energético da América do Sul”, graças ao enorme potencial em matéria de energias renováveis (hidroelétrica, eólica, solar, geotérmica, biomassa), ao invés dos hidrocarbonetos (petróleo e gás). Isso, com o complemento da energia atómica civil produzida por uma central nuclear cuja aquisição está próxima.
A Bolívia muda. Avança. E a sua metamorfose prodigiosa ainda não parou de surpreender o mundo.
20/11/2014


1 A fabricante é a empresa austríaca Doppelmayr Garaventa.
2 Ler Economía Plural, La Paz, abril 2014.
3 Ler Página Siete, La Paz, 12 outubro 2014.
4 Entre 2005 e 2013, o PIB por habitante mais que duplicou (de 1.182 dólares para 2.757 dólares). A Bolívia já não é um “país de baixo rendimento” e foi declarada “país de rendimento médio”. Ler “Bolivia, una mirada a los logros más importantes del nuevo modelo economico” em Economía Plural, La Paz, junho 2014.
5 A boa gestão das finanças públicas permitiu à Bolívia tornar-se o segundo país de maior superávit orçamentário da América Latina no curso dos últimos oito anos.
6Em números absolutos, as reservas internacionais da Bolívia são de aproximadamente 16 mil milhões de dólares. Em 2013, o PIB foi cerca de 31 mil milhões de dólares.
7 Uma quantia de 200 bolivianos anuais (23 euros) é dada a cada aluno do ensino público fundamental e médio que tenha acompanhado todas as aulas regularmente. O objetivo é lutar contra a evasão escolar.
8 Uma pensão que todos os bolivianos recebem a partir de 60 anos, mesmo aqueles que jamais contribuíram com o sistema de Previdência.
9 Uma ajuda económica de 1.820 bolivianos (cerca de 215 euros) é fornecida às mulheres grávidas e por cada menino ou menina de menos de dois anos com o objetivo de reduzir a taxa de mortalidade infantil e materna.
11 Ler, de Atilio Borón, “Por que Evo Morales venceu outra vez?” Esquerda.net, 13/10/2014.
12 “Agenda patriótica 2025: la ruta boliviana del vivir bien (Agenda patriótica 2025:o caminho boliviano do bem viver)”. Em 2025 será a festa do bicentenário da independência e da fundação da Bolívia.
13 A Bolívia fez uma consulta ao Tribunal Internacional de Justiça de Haia. Leia “El libro del mar”, Ministério de Assuntos Estrangeros, La Paz, 2014

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* Director do Le Monde Diplomatique em espanhol.

Tradução de Inês Castilho para o Outras Palavras
Adaptação para Portugal de Luis Leiria para o Esquerda.net




 

quinta-feira, 6 de novembro de 2014


OS EMPREENDEDORES

Por Julio Anguita González*

A confrontação ideológica que a esquerda vai perdendo por não comparência evidencia-se, claramente, tanto na linguagem usada nos meios de comunicação, como no quotidiano da rua. Uma das manifestações mais reiteradas é constituída pelo papel de alguns jornalistas como entrevistadores e, ao mesmo tempo, contraditores das pessoas que aceitam o diálogo. Pessoas que, por certo, costumam ser, com bastante frequência, representantes da esquerda política e ideológica.
Há uns dias, pude comprovar como o interrogador, e não entrevistador, entrava em confrontação com o seu interlocutor, porque este se tinha permitido pôr às claras a corrupção empresarial. Imediatamente, o jornalista alegou que, também ele, era um pequeno empresário e, por conseguinte, integrante dessa irmandade benéfica e filantrópica que, além de “criar riqueza”, dava trabalho. Reparem os leitores na dita expressão “dar trabalho”, oferecer emprego ou aliviar o desemprego. Considero que nós devemos começar já a contradizer todos estes sofistas, mesmo com o risco de que não nos voltem a chamar. A maioria dos leitores e dos telespectadores de rádio e televisão agradecer-nos-ão.
Com bastante ligeireza, quando não aleivosa tendenciosidade, os defensores do sistema costuma identificar, numa relação unívoca, a empresa com o empresário. É evidente que a empresa, entendida como a conjunção de trabalhadores, meios de produção e processos organizativos, com o fim de criar valor, é imprescindível. Contudo, não se pode dizer o mesmo do empresário. A História dá-nos exemplos de autogestão empresarial em empresas colectivizadas e/ou públicas, que se encarregam de deitar por terra a pretensão de unir num conjunto fechado o centro laboral e o empresário privado. A figura do empresário é contingente, a da empresa não. Por isso, deve-se separar ambos os conceitos, para evitar, assim, que a necessária existência da empresa seja associada a algo puramente acessório: o empresário.
Na linguagem política oficial, isto é, a do poder económico e dos seus alternantes representantes no Governo, a denominada “classe empresarial” é fundamental para criar emprego. Daí que, quando aparecem os seus membros ou aqueles que os representam, o discurso monotemático é o de que, sem ajudas de todo o tipo aos empresários, a criação de emprego não pode realizar-se. Como verão os leitores, a história tem raízes no imaginário colectivo do senhor feudal que, de maneira munificente e totalmente altruísta, acede a dar um salário a alguns cidadãos ou cidadãs. Este que escreve estas linhas foi testemunha, nas diferentes localidades onde exerceu a sua profissão, de como um ou outro operário agrícola dizia o quanto era bom o Sr. Fulano, porque dava trabalho. Nunca chegaram a pensar em quem teria apanhado a azeitona ou feito a ceifa se não fossem eles.
Vai sendo hora de relembrar o que aprendemos nos textos dos mestres do pensamento libertador e da experiência de vida. Sem trabalhadores ou assalariados em geral, a empresa não funcionaria. O empresário compra a força física ou mental do trabalhador, porque ela é indispensável à existência da empresa. O que acontece é que, sabendo isso, os empresários e seus coros invertem o sentido das coisas para disfarçar, ocultar e distorcer a sua autêntica natureza. Trata-se de que o trabalhador não seja consciente da sua importância e do papel que tem na produção.
Para distorcer e mascarar ainda mais a realidade, o poder inventou uma léria que, a modos de mezinha milagrosa ou banha da cobra, serve de lubrificante na tarefa de injectar na cabeça dos dominados uma boa nova: sereis como os triunfadores, pertencereis à elite, entrareis no selecto clube dos empreendedores.
A palavra empresário fica atenuada pelo novo vocábulo. Um vocábulo que, devido à sua origem semântica, soa a aventura, a romanticismo social, a forjadores de um new deal, nesta época de crise do capitalismo. Porque, além disso, na grande maioria dos casos, o ou a empreendedor ou empreendedora tem de endividar-se para montar algo que, a seguir, acaba por ser uma ferramenta de escravidão por mor de canais de comercialização, subcontratações e demais dependências de estruturas quase mafiosas do capitalismo em grande.
Creio que a esquerda, globalmente considerada, deve retomar uma das suas lutas mais importantes que, noutros tempos, serviu de consciencialização da grande massa de explorados e marginados: a luta ideológica em todas as frentes e, claro, na mais importante de todas: a linguagem.
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*Professor de História jubilado. Ex-secretário-geral do Partido Comunista de Espanha e da Izquierda Unida