O QUE ELES ESCONDEM

sexta-feira, 26 de outubro de 2018


PORQUÊ A RECUSA?
A Comissão Europeia rejeitou liminarmente o Orçamento da Itália. Eis alguns pontos que não lhe agradaram:
- Reduz a duração máxima dos contratos temporários de 36 para 24 meses.
- Estabelece que o contrato temporário só poderá ser prorrogado se existirem causas temporais e objectivas que o justifiquem.
- Aumenta significativamente a indemnização por despedimento dos contratados temporalmente e penaliza o seu uso abusivo com um aumento de 0,5% para a Segurança Social por cada prorroga do contrato.
- Empresas que abandonem o território italiano têm que devolver o dinheiro das ajudas públicas que receberam.
- Aquelas que saiam para fora da EU são sancionadas com pesadas multas.
- É criado um rendimento mínimo para 5 milhões de italianos.
- A reforma mínima passa de 500 para 780 euros.
- É proibida a publicidade às apostas desportivas e jogos de azar (com excepção da lotaria nacional), nos meios de comunicação, eventos desportivos, culturais ou artísticos, painéis publicitários e internet. A ludopatia, que atinge sobretudo os mais pobres e é já um grave problema social, passa, assim, a ser combatida, contra os interesses dos grandes grupos de comunicação.
Convém saber, igualmente, que a Itália tem um excedente comercial e um excedente primário (saldo positivo, antes do pagamento de juros da dívida); que cerca de dois terços da dívida pública é detida pelos próprios italianos e que a Itália, ao propor um défice de 2,4%, continua a respeitar a regra dos 3% como máximo, ao contrário da França, de que Moscovici foi ministro das Finanças entre 2012 e 2014 e nunca cumpriu.
O que está, então, em causa? Será o facto de o governo italiano se ter atrevido a contestar as orientações neoliberais dos ladrões da EU e tenha começado a desmontar o mito do tratado de Maastricht e as suas consequências e queira recuperar a soberania e o Estado?
É verdade que as medidas propostas para combater a regressão nos direitos laborais (como a reforma de Matteo Renzi, a do “contrato único” ou despedimento livre) são insuficientes. Mas, é também verdade que tudo o que cheire a contestação é, de imediato, apelidado de nacionalista, fascista, populista.
Não se sabe ainda para onde irá o governo italiano: acabará por obedecer à ditadura da EU e dos mercados ou encontrará um caminho novo, que a Grécia desprezou, vergando-se?








terça-feira, 1 de maio de 2018


Arábia Saudita e Israel: uma perigosa aliança terrorista

Em Março de 2012, vai para cinco anos e meio, escrevi um artigo no qual tentava desmontar uma ideia enganosa que punha e põe o centro do conflito do Médio Oriente num lugar em que não está. Tinha-se cumprido um ano do início da chamada “primavera árabe” e haviam transcorrido apenas uns meses desde o atroz assassinato de Muamar El Kadafi e a guerra na Síra mal começava.
Aí dizia «Nas relações internacionais, é comum falar de “conflito árabe-israelita”, quando, porém, se alguém se introduz com certa profundidade no tema, verá que, na realidade, se faz alusão à política expansionista do estado israelita contra o povo palestiniano, violando a justa e legítima resposta deste.
O que acontece na realidade é a confrontação entre aliados dos Estados Unidos e Europa que podem ser árabes e/ou israelitas e os povos árabes duplamente oprimidos pela intervenção imperial nos seus territórios em conivência com os seus governos e o carácter repressivo, autoritário e antidemocrático da maioria dos governos da região. É assim que Israel tem excelentes relações com uma boa quantidade de governos dos países árabes com os quais supostamente está em conflito.
Israel, as monarquias autocráticas e os governos reaccionários do Médio Oriente e norte de África estabeleceram uma aliança virtual sob a égide da Grã-Bretanha, primeiro, e Estados Unidos, depois. A falácia de um suposto conflito alimentado pelo Ocidente não faz mais do que sustentar um mercado vital para a manutenção de um modelo de sociedade decadente».
Todavia, nesse momento, era possível disfarçar a realidade, mas as evidências dos factos recentes encarregaram-se de arrancar as máscaras e confirmar a certeza de que o exposto naquela altura se transformou num cenário triste e lamentável que prefigura os acontecimentos políticos mais relevantes do Médio Oriente e do norte de África. A aliança comandada pelos Estados Unidos e integrada pela Arábia Saudita, Israel e quase todas as monarquias do Golfo Pérsico destapou as suas verdadeiras intenções para justificar os mais terríveis desmandos, o apoio e a protecção ao terrorismo no Iraque e na Síria, uma despiedada guerra contra o povo iemenita e as violações mais flagrantes ao direito internacional e ao respeito pelos direitos humanos. Só no Iraque, fala-se de entre 1,2 e 1,4 milhões de mortos, na Síria, cerca de 450 mil falecidos e, no Iémene, uns 40 mil, além da pior crise humanitária da história recente em que se contam 850 mil cidadãos que contraíram cólera dadas as insuficientes condições de salubridade, assim como 14,8 milhões de pessoas que carecem de serviços básicos de saúde e 14,5 milhões de água potável, segundo números da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Enquanto isto acontece, os projectos da aliança saudita-israelita não puderam ser cumpridos: Bashar El Assad continua no poder na Síria e as suas forças armadas derrotaram virtualmente o ISIS e as outras organizações terroristas, o exército iraquiano recuperou a quase totalidade do território nacional, os huthies do Iémen melhoram dia-a-dia a sua capacidade e disposição combativa e começam a assestar golpes certeiros às forças sauditas invasoras, no seu próprio território.
O desespero começou a aumentar no interior da monarquia wahabita e o reino começa a mostrar as suas brechas. O brutal dispêndio económico que significa manter o nível de vida da família monárquica, os gastos gigantescos no financiamento do terrorismo e na manutenção da guerra no Iémene, fizeram diminuir os fundos das arcas reais. A resposta tem sido comprar armas aos Estados Unidos no valor de 110 mil milhões de dólares, durante a recente visita do presidente Trump a Riade, com o intuito de tentar dar uma volta à situação bélica no sul da península arábica, o que parece pouco provável. Em troca, o presidente dos Estados Unidos comprometeu-se a dar carta branca a todas as acções da aliança saudita-israelita na região.
Do mesmo modo, tomaram uma série de medidas de carácter interno com o objectivo de tentar manter a coesão social e a governabilidade do país, face às cada vez maiores de descontentamento popular, que levaram a incrementos na repressão, sem temor a críticas, atendendo ao apoio ocidental a tais práticas. Procurando saída para a tensa situação, o rei Salmán destituiu quem tinha nomeado como sucessor para designar, em seu lugar, o filho Mohamed Bin Salmán, a quem, para além disso, concedeu a titularidade do Ministério da Defesa, correspondendo-lhe dirigir a desastrosa campanha do Iémene.
Com o objectivo de dar um carácter institucional à mudança na máxima hierarquia do governo, a 4 de Novembro passado, o rei criou um comité anticorrupção, pondo-lhe à frente o próprio príncipe Mohamed que, como maneira de abrir caminho para o seu futuro reinado e que, na realidade, foi um auto-golpe de Estado, mandou prender 201 altos cargos do governo, das Forças Armadas, governadores provinciais e empresários, aos quais se confiscaram ou congelaram cerca de 800 mil milhões de dólares, que passarão para as arcas do Estado, a fim de permitir ao príncipe pagar dívidas, dar continuidade à guerra no Iémen e financiar o terrorismo, depois do governo monárquico se ter visto obrigado a recorrer aos mercados creditícios e aos fundos da reserva nacional para conter a acelerada crise da sua economia. Os empresários detidos, alguns deles considerados entre os maiores milionários do reino e do mundo, estão a ser submetidos a pressões e torturas para que declarem onde se encontram os seus capitais, que necessitam ser repatriados para Riade. Entre estes magnatas presos encontram-se os proprietários de algumas das principais cadeias de comunicação do mundo árabe: MBC, ART e Orient. Com tais acções, o príncipe herdeiro garantiu o controle das finanças, dos meios de comunicação, das forças armadas e dos governos locais, completando assim um autogolpe de Estado, com êxito e sem sangue.
Tendo por objectivo “lavar a cara” da monarquia e mostrar uma face mais agradável ao mundo, Mohamed perseguiu e reduziu os líderes wahabitas radicais, procurando revelar uma atitude modernizante no quadro de uma lógica ocidentalizada, o que permite perceber as razões do desenho do seu programa estratégico denominado “Visão 2030”, com vistas a renovar a economia saudita, elevando os níveis de produção industrial e tecnológico, para reduzir a dependência da produção petrolífera.
No fundo, a verdadeira razão está no impacto que o crescimento e intensificação do prestígio do Irão tem na monarquia, em detrimento da sua própria capacidade de influenciar os acontecimentos políticos da região. Por isso, com o regozijo e a bênção dos Estados Unidos, deu um passo audaz, ao estabelecer uma aliança estratégica com quem supostamente era o seu adversário histórico: Israel. Assim, configurou um esquema a partir da inimizade comum de ambos os regimes contra o Irão, acusando-o de estar por detrás dos últimos e vitoriosos ataques das forças armadas iemenitas, dirigidas pelo movimento Ansar Allah, que permitiram consolidar as acções bélicas em profundidade do território saudita.
Por isso mesmo, procurando criar um novo cenário de conflito que lhe proporcione a infalível intervenção de Israel e o reforço de uma aliança com o regime sionista, a Arábia Saudita forçou a inexplicável renúncia do primeiro-ministro libanês Saad Al Hariri, quando visitava Riade, para manter consultas com o governo, actuando como se fosse o embaixador saudita no Líbano e não o chefe de um governo de um país independente. Embora Hariri seja um antigo aliado da casa Saúd, que deu uma importante ajuda financeira para o império empresarial da sua família, informações provenientes da região afirmam que o primeiro-ministro libanês está sequestrado em Riade, sem poder regressar ao seu país. A estranha justificação para a sua renúncia foi a de que o movimento Hezbollah libanês tentava assassiná-lo, sem apresentar uma única prova de tal acusação, que foi imediatamente desmentida pelo líder da organização Hasan Nasrallah. A monarquia saudita, num acto de extrema e absoluta impotência, comunicou que o Líbano lhe tinha declarado guerra, sem avançar qualquer argumento que sustentasse tão grave imputação. O objectivo final é a criação de condições para uma nova invasão sionista do Líbano, de modo a envolver o Hezbollah nesse conflito, desviando-o da sua missão de apoio ao governo sírio na luta contra o terrorismo.

Quando, ao que tudo indica, o terrorismo está a ser definitivamente derrotado no Iraque e na Síria, a aliança saudita e israelita poderia estar a criar no Líbano uma nova frente de guerra no Médio Oriente e, com isso, outro incêndio incontrolável para o Ocidente, que terá de ter em conta o facto de tal conflagração se produzir numa zona ainda mais próxima da Europa, mesmo na fronteira do regime sionista e contra a única força que o derrotou no passado. 

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Texto original encontra-se aqui

sexta-feira, 27 de abril de 2018



O caso Skripal, escape (provisório) para May e Trump

Por Ángel Guerra*

Donald Trump uniu-se à putinofobia de Theresa May com a expulsão de 60 diplomatas russos so solo estadunidense. A maior de representantes de Moscovo desde o começo da guerra fria. Recapitulemos.
A 4 de Março, apareceram inconscientes em Salisbury, Inglaterra, Serguei Skripal, oficial russo dos serviços secretos militares, que se tornou agente inglês, e a filha Yulia, de nacionalidade russa. Condenado na Rússia pelo seu trabalho de espionagem a favor do Reino Unido, o agente saiu da prisão graças a uma troca de espiões e instalou-se em Inglaterra. Os Skripal mostravam graves sintomas de intoxicação e foram conduzidos para um hospital onde permanecem em estado crítico (NT). A 6 de Março, o esgrouviado Boris Johnson, ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, deu a entender que Moscovo estava implicado na tentativa de envenenamento dos Skripal e pôs em causa a participação do seu país no mundial de futebol na Rússia. A 12 de Março, a conservadora primeira-ministro May disse ante o parlamento britânico que era “altamente provável” Moscovo ter sido o autor do envenenamento dos Skripal “ com um agente nervoso de natureza militar” do género que a Rússia desenvolve, conhecido como Novichok. May deu um ultimato de dois dias a Moscovo para se explicar e ameaçou adoptar severas medidas se o Kremlin não desse uma respostas satisfatória.
O ministro dos Negócios Estrangeiros russo Serguei Lavrov esclareceria que a Rússia não proporcionou a informação exigida, devido ao facto de não ter obtido nenhuma amostra do agente neurotóxico utilizado contra Skripal. O chefe da diplomacia russa afirmou que, segundo a Convenção sobre Armas Químicas, o Reino Unido devia ter-se dirigido directamente ao país suspeito de haver utilizado a substância, proporcionando-lhe o acesso à mesma.
Duramente censurada no seu próprio partido pela péssima condução do Brexit e em desespero para fugir ao descrédito interno que lhe causou, May viu no envenenamento dos Skripal a mais fácil porta de escape para a crise interna. Não duvidou, por isso, em culpar a Rússia, apesar da Scotland Yard ter dito que a investigação levaria muitos meses e que a Organização para a Proibição das Armas Químicas (OPAC) tardaria três semanas só para identificar o agente neuroparalisante supostamente utilizado contra os Skripal. A primeira-ministra, porém, esperou apenas uma semana para culpar a Rússia do crime e 10 dias para expulsar 35 diplomatas russos do território britânico.
Washington não tardou a anunciar a expulsão dos russos e, atrás, vieram em cascata mais de 24 membros da NATO e da União Europeia, assim como da Austrália. Deverão abandonar os países onde trabalhavam para cima de 120 funcionários do serviço de estrangeiros, no que se chama Ocidente, onde não abundam os países independentes.
Por seu lado, em Washington, o “primeiro ataque com armas químicas na Europa desde a segunda guerra mundial” assentou como uma luva, não importando que nem uma única prova de autoria russa tenha sido apresentada: a Trump, para fugir ao cerco judicial apertado do Procurador Robert Mueller e das crescentes acusações de abuso sexual de várias mulheres; aos fanáticos russófobos como o secretário de Estado Mike Pompeo, o director da segurança nacional John Bolton e um bom número de legisladores republicanos e democratas, porque querem uma política ainda mais hostil contra Moscovo.
Ainda que seja com este circo de mau gosto, o “Ocidente” ripostou aos duros e vitoriosos contragolpes de Vladimir Putin na Geórgia, Ucrânia e Síria, que destronam Washington e Israel como principais decisores no Médio Oriente. E não só. A exibição pelo chefe do Kremlin de armamentos hipersónicos, capazes de neutralizar a instalação contínua de bases da NATO nas suas fronteiras e operar em qualquer parte do mundo, a sua aliança estratégica com a China, a imposição, juntamente com o gigante asiático, de uma política de diálogo na península coreana, o seu arrasador triunfo eleitoral de 18 de Março, tudo isto é demasiado insuportável para o Ocidente.
A Rússia foi declarada livre de armas químicas pela OPAQ. Os Estados-Unidos não. E o alto chefe militar russo Igor Kirilov afirmou que “o laboratório de Porton Down, Inglaterra, continua a ser uma instalação supersecreta, cujas actividades incluem não só destruir armas químicas obsoletas, mas… fazer experiências”. A Rússia negou enfaticamente as acusações. Putin, levar a cabo um ataque destes contra um espião de quarta categoria na véspera das eleições e do mundial de futebol? Por favor!
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*Especialista em questões latino-americanas, analista internacional e colunista do jornal mexicano La Jornada. Comentador da teleSUR. Foi director do jornal Juventud Rebelde (1968-71), da revista Bohemia (1971-80).


NT: o texto original foi publicado em 29 de Março de 2018 e pode ser lido aqui. Entretanto, os Skripal continuam vivos, graças a Deus!

segunda-feira, 2 de abril de 2018




Relatório demolidor da EU contra a ingerência privada no sector público

O Tribunal de Contas Europeu critica duramente, num relatório, a participação privada em infraestructuras e serviços públicos, recomendando aos países membros que não promovam modelos público-privados. Em Espanha, este modelo serviu para financiar autoestradas de portagem que o Estado, agora, deve resgatar.

O Tribunal de Contas Europeu é contundente e claro: a EU não deve continuar a financiar infraestructuras ou serviços públicos com participação privada. Em relatório recente, que acaba de publicar, o principal órgão de controlo financeiro da União Europeia, a que o Público teve acesso, a instituição critica duramente as parcerias público-privadas para infraestruturas ou serviços públicos por “insuficiências generalizadas”, “gastos ineficazes”, “falta de transparência”, “atrasos”, e “sobrecustos”, entre outras coisas.
Além disso, recomenda que nem a EU nem os seus Estados membros criem parcerias público-privadas até se resolverem os principais problemas identificados no seu relatório especial Parcerias público-privadas na EU: Deficiências generalizadas e benefícios limitados, publicado no passado dia 20 de Março. Concretamente, o documento analisa 12 parcerias público-privadas, cofinanciadas pela EU, em França, Grécia, Irlanda e Espanha, nos âmbitos do transporte rodoviário e tecnologias da informação e comunicação, que implicaram 5.600 milhões de euros de financiamento europeu. E conclui que a participação privada nesses projectos “não se pode considerar uma opção economicamente viável para o funcionamento de infraestructuras públicas”.
Numa análise devastadora, acrescenta que a entrada de capital privado em projectos do sector público fez-se com “insuficiências generalizadas e benefícios limitados, com gastos ineficazes e ineficientes”, onde “a relação custo-benefício e a transparência se viram gravemente prejudicadas, em particular, por políticas e estratégias pouco claras, uma análise inadequada, registos fora do balanço patrimonial e acordos”.
O relatório afirma que os projectos público-privados analisados padeceram de “ineficiências consideráveis sob a forma de atrasos durante a construção e aumentos importantes dos custos”. No total, sete dos nove projectos completados – com custos de 7.800 milhões de euros em projectos agregados – sofreram demoras que oscilaram entre 2 e 52 meses. Para mais, foi necessária uma quantidade adicional de quase 1.500 milhões de euros de fundos públicos para completar as cinco autoestradas auditadas na Grécia e em Espanha, dos quais a EU proporcionou cerca de 30% - 422 milhões de euros -, denuncia o relatório especial. O Tribunal considera que estas quantidades “foram gastas de maneira ineficiente no que respeita a consecução dos benefícios potenciais”.
Os projectos financiados sob o modelo público-privado “são aproveitados para proporcionar bens e serviços que o sector público habitualmente oferece”, explica o relatório, que indica a grande magnitude do negócio que esta fórmula pressupõe, na qual as multinacionais privadas fazem negócio com o apoio financeiro público: desde a década de 1990, na EU levaram-se a cabo 1.749 projectos público-privados por um valor de 336.000 milhões de euros. Segundo revela o relatório, a maioria destes projectos consumaram-se no sector do transporte, que, em 2016, representou um terço dos investimentos de todo o ano, superando o serviço de saúde e a educação.

Sombras de corrupção
A suspeita de corrupção política paira sobre alguns dados que o relatório oferece, como “na maioria dos projectos fiscalizados, onde se elegeu a opção do financiamento público-privado sem nenhuma análise comparativa prévia de opções alternativas, inclusive a do sector público, não se demonstrando, portanto, tratar-se da opção que maximizava a relação qualidade-preço e protegia o interesse público ao garantir uma igualdade de condições entre a parceria pública-privada e a tradicional adjudicação de contratos públicos”.
Neste sentido, o Tribunal indica que “os projectos de autoestradas, em Espanha, se licitaram de maneira pontual, mas os contratos renegociaram-se pouco depois, o que suscita perguntas sobre se a contratação foi devidamente gerida”.
As auditorias revelam que no caso das autoestradas público-privadas analisadas os custos dispararam após a contratação em cerca de 300 milhões de euros que o sócio público devia assumir. Em suma, o custo da autoestrada A-1 aumentou 33% (158 milhões de euros) e um atraso de dois anos e a autoestrada C-25 na Catalunha teve um aumento de 20,7% (143,8 milhões de euros, incluindo 88,9 milhões de euros em custos financeiros) e atrasos de 14 meses. E isto apenas nas autoestradas auditadas neste relatório.

Próximo negócio, a água
As conclusões do Tribunal de Contas Europeu conhecem-se após o anúncio dos resgates das autoestradas com portagem por parte do governo central, o que supõe uma nova paulada nos modelos de parceria público-privada. Contudo, as grandes construtoras já não têm os olhos postos nas infraestruturas de transportes como as autoestradas, que consideram um sector esgotado financeiramente, mas centram-se, agora, no negócio da água pública, onde, como explicam os peritos, há um mercado garantido.
“A água é um serviço público que se presta sob condições de monopólio natural e de um ponto de vista mercantilista, estes serviços apresentam o grande atractivo de disporem de clientes cativos, uma procura estável e capacidade de pagar por esses serviços, seja através do orçamento municipal ou de tarifas aos consumidores. Aceder a este “mercado” é o sonho de qualquer multinacional”, afirma Luis Babiano, gerente da Associação Espanhola de Operadores de Água Pública (AEOPAS).
De facto, segundo dados do Tribunal de Contas, os serviços já privatizados (seja como empresas que ficaram com a concessão do serviço de águas ou empresas mistas público-privadas) apresentam sobrecustos que vão de 22% a mais de 90%, relativamente ao serviço prestado de forma directa, com encarecimentos médios de 27% na recolha do lixo ou 71% na limpeza das ruas (que aparecem na factura da água). Sobrecustos a somar a uma menor qualidade na prestação do serviço e um subinvestimento, de acordo com as mesmas fontes.
Numa situação de emergência social e de duras críticas sobre este modelo público-privado ou directamente privatizador, a patronal da água AEAS-AGA, que agrupa as três principais multinacionais da água – FCC Aqualia, Grupo Suez e Acciona – e, surpreendentemente, algum operador público, mandou recentemente uma carta aos grupos parlamentares para incluir os mecanismos de contratação público-privados como prioridade dentro do chamado Pacto Nacional da Água em que o Executivo está a trabalhar: uma espira mais no modelo que procura fazer negócio a partir dos serviços públicos e requer a conivência dos representantes políticos.

Ricardo Gamaza, in Publico.es, 31/03/2018



domingo, 31 de dezembro de 2017

Se alguém nos anda a mentir não é Nicolás Maduro, o Presidente da Venezuela, mas o sô Silva, o nosso sibilino Ministro dos Negócios Estrangeiros. 

PROVAS DO CRIME ECONÓMICO CONTRA A VENEZUELA

Por Alfredo Serrano Mancilla*

É proibido ver o evidente. Esta espécie de máxima encontrada no mural de uma rua vem mesmo a calhar a todo aquele que ignora a contínua agressão económica que a Venezuela vem sofrendo nos últimos anos. Pode-se, legitimamente, estar a favor ou contra as decisões económicas de Nicolás Maduro. Todo o debate económico é bem-vindo. Contudo, o desconhecimento do conjunto de acções orquestradas de múltiplos âmbitos contra a economia Venezuela retira o rigor a qualquer tipo de análise. Deixar de lado o que a Venezuela está a enfrentar sob a forma de multi-agressão permanente em matéria económica é um acto de irresponsabilidade deliberada. Além disso, seria uma análise parcial e enviesada. Seria o mesmo que analisar a economia mexicana sem considerar que tem os Estados Unidos como vizinho a norte. Ou supor que um país tem mar apesar de não o ter. Como ler um estudo ou uma proposta na base de premissas falsas, inexistentes, eclipsando uma boa parte do que sucede?
Apropriado será ter um panorama integral para fazer um diagnóstico certeiro e, em função disso, realizar as recomendações que cada qual considere oportunas. Nenhuma das provas esgrimidas a partir de agora deve ser considerada como desculpa ou subterfúgio que sirva para esconder outros desequilíbrios estruturais da economia venezuelana. O que se trata neste artigo é demonstrar, com provas manifestas, que a economia venezuelana não é como uma outra qualquer. Por muitas razões geopolíticas, está submetida a um constante assédio que é obrigatório conhecer em pormenor. Eis aqui uma lista dessas provas irrefutáveis:

1.    O risco-país (RP) atribuído pelas agências de notação não tem razão de ser dado o cumprimento da Venezuela no pagamento da dívida externa. Nos últimos 4 anos, a República honrou os seus compromissos de pagamento, num total de 73.359 milhões de dólares. E o RP continuou a subir. Verificaram-se 32 meses, nos últimos 14 anos, em que o RP contra a Venezuela subiu, apesar do incremento do preço do petróleo. Actualmente, o RP atribuído por JP Morgan (EMBI +) encontra-se em 4.820 pontos, isto é, 38 vezes mais do que aquele atribuído ao Chile, apesar deste país ter um rácio de dívida/PIB semelhante ao venezuelano.
2.    A palavra “default” é usada contra a Venezuela independentemente do seu significado. Dois exemplos que aconteceram recentemente, embora tenha cumprido com o pagamento da dívida externa: a) Fitch Ratings disse que a Venezuela tinha um “Default Selectivo”; b) Standard & Poors baixou a notação, de CC/C para SD/D (default selectivo). Isto, porém, vem de longe. Outro exemplo menos recente: em Fevereiro de 2016, Bloomberg afirmava que a Venezuela tinha 76% de probabilidades de entrar em “default” num ano. E, do mesmo modo, teríamos milhares e milhares de testemunhos que ratificam que as notações para a Venezuela não seguem um critério de racionalidade económica.
3.    Donald Trump ditou uma ordem executiva (amparando-se num decreto prévio de Obama) contra a economia venezuelana. Bastará lê-la em pormenor para nos darmos conta de que se trata de um boicote explícito, com a intenção de impedir o relacionamento da Venezuela com sócios privados dos EUA, ao mesmo tempo que restringe o cumprimento dos pagamentos de dívida externa, assim como as possibilidades de refinanciamento da mesma.
4.    Grande parte do sistema financeiro internacional veio, nos últimos anos, proporcionando um esquema de bloqueio relativamente às operações financeiras da Venezuela, limitando a acção de múltiplas instituições (públicas e privadas) para executar pagamentos a fornecedores, receber pagamentos, fazer transações, gerir carteiras de investimento, cumprir obrigações financeiras e aceder a fontes de financiamento internacionais. E sucederam-se os cancelamentos unilaterais de contratos interbancários contra a Venezuela (Citibank, Comerzbank, Deutsche Bank). Desde Julho de 2017, o agente de pagamento dos títulos de dívida emitidos por PDVSA (1), em Delaware, informou que o seu banco intermediário (PNC Bank), nos Estados Unidos, negava-se a receber fundos provenientes da petrolífera estatal. Por sua parte, o Novo Banco (Portugal) notificou, em Agosto de 2017, a impossibilidade de realizar operações em dólares por parte das instituições públicas venezuelanas, devido ao bloqueio de intermediários. A empresa Euroclear, encarregada da custódia de uma parte importante dos títulos de dívida da Venezuela, mantém importantes operações de transação de títulos retidos, no processo de “Revisão”, dadas as pressões feitas por OFAC (2) (mais de 1.200 milhões de dólares). O banco aliado da Venezuela, Bank of China Frankfurt, não pôde realizar uma operação destinada ao pagamento de compromissos com a empresa mineira Canadiense Gold Reserve por 15 milhões de dólares.
5.    Produziram-se bloqueios para o pagamento de alimentos e outros bens básicos. Por exemplo, na terceira semana de Novembro, foram devolvidas mais de 23 operações de pagamento de 39 milhões de dólares em alimentos porque os bancos intermediários dos fornecedores não queriam aceitar recursos provenientes da Venezuela. Situações parecidas ocorreram nas compras de Natal, medicamentos (insulina, fármacos contra a malária e paludismo), sementes, transporte de desportistas venezuelanos (o banco Wells Fargo impediu a operação), comunicação (o banco holandês Rabobank recusou o pagamento para a imperatividade da TeleSur, alegando que o ordenante se encontrava sancionado pela OFAC).
6.    A evolução da taxa de câmbio ilegal “paralela” não tem nenhum “paralelismo” com nenhuma variável macroeconómica. O valor desta taxa de câmbio foi multiplicado 1.410 vezes, desde Agosto de 2014 até à actualidade, quando a quantidade de notas e moedas se multiplicou por 43; a quantidade de liquidez multiplicou-se por 64 e a taxa de câmbio implícita por 141. Nem sequer a ortodoxia neoclássica serve para explicar o comportamento desta arma política de destruição económica, utilizada para induzir um aumento desmedido da inflação.

A esta lista de provas poderíamos acrescentar todas as tentativas do Mercosur para isolar a Venezuela; as sanções da União Europeia ou Canadá; a retirada de companhias aéreas como a Avianca ou Aerolíneas Argentinas. Além disso, convém acrescentar a queda estrepitosa do preço do petróleo, de 2014 a 2016 (passando o preço médio anual do barril, de 88 para 35 dólares).
Esta realidade é inegável e não há outro país submetido a este tipo de assédio económico de alta intensidade e persistência.
                       
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*  Doutor em Economia. Director do Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica (CELAG)

(1)  Petróleos de Venezuela, SA
(2) Agência de controle de activos estrangeiros dos EUA

sábado, 2 de dezembro de 2017


Por que Fidel Castro foi tão odiado e caluniado:
Discurso pronunciado no Rio de Janeiro pelo Comandante em Chefe na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 12 de junho de 1992
Sr. Presidente do Brasil, Fernando Collor de Mello;
Sr. Secretário Geral das Nações Unidas, Butros Ghali;
Excelências:
Uma importante espécie biológica está em perigo de desaparecer devido à rápida, progressiva liquidação de suas condições naturais de vida: o homem. Agora estamos cientes deste problema, quando quase é tarde para impedi-lo.
É preciso salientar que as sociedades de consumo são as principais responsáveis pela atroz destruição do meio ambiente. Elas nasceram das antigas metrópoles coloniais e de políticas imperiais que, por sua vez, engendraram o atraso e a pobreza que hoje açoitam a imensa maioria da humanidade. Com apenas 20% da população mundial, elas consomem dois terços dos metais e três quartos da energia que é produzida no mundo. Envenenaram mares e rios, contaminaram o ar, enfraqueceram e perfuraram a camada de ozono, saturaram a atmosfera de gases que alteram as condições climáticas com efeitos catastróficos que já começamos a padecer.
As florestas desaparecem, os desertos estendem-se, biliões de toneladas de terra fértil vão parar ao mar cada ano. Numerosas espécies extinguem-se. A pressão populacional e a pobreza conduzem a esforços desesperados para ainda sobreviver à custa da natureza. É impossível culpar disto os países do Terceiro Mundo, colónias ontem, nações exploradas e saqueadas hoje, por uma ordem económica mundial injusta.
A solução não pode ser impedir o desenvolvimento aos que mais o necessitam. O real é que todo o que contribua actualmente para o subdesenvolvimento e a pobreza constitui uma violação flagrante da ecologia. Dezenas de milhões de homens, mulheres e crianças morrem todos os anos no Terceiro Mundo em consequência disto, mais do que em cada uma das duas guerras mundiais. O intercâmbio desigual, o proteccionismo e a dívida externa agridem a ecologia e propiciam a destruição do meio ambiente.
Se quisermos salvar a humanidade dessa autodestruição, teremos que fazer uma melhor distribuição das riquezas e das tecnologias disponíveis no planeta. Menos luxo e menos esbanjamento nuns poucos países para que haja menos pobreza e menos fome em grande parte da Terra. Não mais transferências ao Terceiro Mundo de estilos de vida e de hábitos de consumo que arruínam o meio ambiente. Faça-se mais racional a vida humana. Aplique-se uma ordem económica internacional justa. Utilize-se toda a ciência necessária para um desenvolvimento sustentável sem contaminação. Pague-se a dívida ecológica e não a dívida externa. Desapareça a fome e não o homem.
Quando as supostas ameaças do comunismo têm desaparecido e já não há pretextos para guerras frias, corridas armamentistas e gastos militares, o que é o que impede dedicar de imediato esses recursos na promoção do desenvolvimento do Terceiro Mundo e combater a ameaça de destruição ecológica do planeta?
Cessem os egoísmos, cessem as hegemonias, cessem a insensibilidade, a irresponsabilidade e o engano. Amanhã será tarde demais para fazer aquilo que devíamos ter feito há muito tempo.
Obrigado, 
Fidel Castro.


sábado, 28 de outubro de 2017

Como seria de esperar, a maioria dos meios de comunicação portugueses, sempre tão atentos ao que se passa na Venezuela, não se referiu às eleições para governadores realizadas há pouco mais de uma semana. Não lhes interessa: foram validadas por todos os observadores internacionais e, dos 23 lugares, 18 foram conquistados pelos chavistas.
O regime bolivariano tem o apoio da maioria do povo venezuelano, mas é a oposição violenta quem conta com os favores dos “média” e do governo português: ontem, a RTP deu destaque, não ao facto de 4 dos 5 governadores da oposição terem aceitado o cargo perante a Assembleia Constituinte, mas à falta de medicamentos nas farmácias, fazendo coro com aqueles que perderam as eleições e o governo português declarou, pela boca do sô Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros, que apoia e aplaude as sanções contra o governo de Nicolás Maduro.
Que tudo isto aconteça não é de estranhar. De estranhar, sim, é o facto de quem se diz de esquerda, por ex., o BE ou próximos dele, acusar Maduro de “ditador” e o regime bolivariano de “ditadura”. Apenas duas explicações ocorrem: ou se informam unicamente pela imprensa da paróquia – nacional e internacional – ou democracia, para eles, resume-se a esta que conhecemos, a representativa, representativa dos que têm e sempre tiveram o poder.
O texto que se segue, traduzido do original, põe em evidência, através da comparação entre o que se passa na Catalunha e na Venezuela, as mentiras difundidas por quem, de uma forma ou outra, não está interessado numa verdadeira democracia – a democracia participativa.



SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE ESPANHA E VENEZUELA

Por Pascual Serrano*

O desenrolar dos acontecimentos na Catalunha está a gerar muitas discussões acerca da licitude, legitimidade ou legalidade de alguns actos tanto do governo catalão como do espanhol. Debate-se, por exemplo, se o governo espanhol actua de forma unilateral ou fá-lo com o aval dos juízes ou tribunais. Debate-se, também, se certas acções consideradas ilegais pelos juízes têm legitimidade quando são apoiadas por centenas de milhar de pessoas na rua. Tudo isso, como não podia deixar de ser, peneirado pelos meios de comunicação, que são o filtro com que desde há muito os cidadãos vêem a realidade. Estes elementos levam-me a ter em conta algumas semelhanças com a Venezuela, que vale a pena analisar, para, entre outras coisas, pôr em evidência o duplo critério de muitos. Contudo, existem alguns elementos diferentes que também devemos ter em conta. Vejamos.

Reivindicações e manifestações
Semelhanças:
Tanto na Venezuela como na Catalunha, milhares de manifestantes saíram à rua com exigências que não se ajustavam às legislações vigentes, nem contavam com apoio legislativo suficiente nos órgãos competentes. Na Venezuela, pediam a demissão do presidente e a suspensão da eleição da Assembleia Constituinte (convocada por Maduro com o aval da Constituição). Nenhuma dessas duas reivindicações contava com apoio legal. Na Catalunha, pedem que seja vinculante o referendo de 1 de Outubro, o qual tão-pouco se ajusta à legalidade espanhola.
Muitas das vozes que destacavam os milhares de manifestantes opositores na Venezuela e a necessidade de o governo Maduro negociar ou aceitar essas exigências, quando se trata de Espanha limitam-se a recordar a legalidade e a exigir aos manifestantes e políticos independentistas que abandonem a ilegalidade e aceitem a ordem constitucional. Esse era precisamente o argumento esgrimido pelos defensores do chavismo: a oposição não tinha ganhado as eleições presidenciais, pelo que deviam aceitar o presidente eleito, assim como as decisões que havia tomado no quadro das suas competências legais.
Diferenças:
Enquanto as manifestações catalãs sempre foram pacíficas, as venezuelanas eram extremamente violentas. Na Venezuela, os opositores assassinaram a tiro candidatos partidários do governo, queimaram vivos vários cidadãos chavistas e, num mesmo dia, ficaram feridos por arma de fogo 21 polícias. Apesar disso, os governantes espanhóis e a maioria dos meios de comunicação qualificavam o governo venezuelano de ditadura violenta e apoiavam a oposição. Em contrapartida, quando se tratava da Catalunha, defendiam a legalidade do governo espanhol, minimizando a violência vivida nas ruas.

Referendo
Semelhanças:
Tanto na Venezuela como na Catalunha celebraram-se dois referendos desautorizados pelos governos do país e legalmente não vinculantes. O da Venezuela foi a 16 de Julho e convocava-o a oposição para exigir a suspensão das eleições para uma Assembleia Constituinte, anunciadas pelo presidente Nicolás Maduro. Esse referendo não tinha aval na legislação venezuelana, nem contou com garantias democráticas, nem reconhecimento internacional. Apesar disso, foi qualificado pela maioria da imprensa espanhola de “histórica votação na consulta eleitoral” que “demonstrava o músculo da oposição”. O mesmo sucede com o referendo de 1 de Outubro, que não tinha inserção vinculante na legislação espanhola, nem contou com garantias democráticas, nem reconhecimento internacional. Por isso, a maioria dos meios de comunicação sempre acrescentaram o qualificativo de “ilegal” quando falavam do referendo, algo que não tinham feito com o da Venezuela, pois a maior crítica que lhe fizeram foi chamar-lhe “não oficial”. E, evidentemente, não qualificavam o referendo catalão de histórica votação ou músculo independentista, mas, pelo contrário, insistiam em que o resultado não era rigoroso nem fiável, nem permitia falar em nome da maioria do povo da Catalunha.
Diferenças:
Enquanto o referendo catalão se desenrolou com cargas policiais, detenções e centenas de feridos, na Venezuela as autoridades permitiram a votação e não houve nenhum tipo de repressão policial contra os votantes, que puderam participar sem qualquer problema.

Detenções
Semelhanças:
Tanto na Venezuela como na Catalunha alguns líderes acabaram na prisão. Em ambos os casos não foi o governo que os encarcerou, mas os juízes. Portanto, não é lícito que a quase unanimidade mediática afirme que Maduro mete na prisão políticos opositores, ignorando que se tratava de uma decisão judicial e, insista, agora em que os líderes catalães de Omnium e ANC foram presos por ordem judicial e não por decisão governamental. Não é, pois, aceitável que, na Venezuela, Leopoldo López e Antonio Ledezma sejam “presos políticos” e, em Espanha, Jordi Cuixat e Jordi Sánchez sejam “políticos presos”.
Diferenças:
Ainda que todos os presos sejam acusados de actuar contra a ordem legal (sedição para uns e instigação pública para o outro), as mobilizações que Leopoldo López agitou e liderou foram violentas, provocando a morte de 43 pessoas, centenas de feridos e numerosos danos materiais em infraestruturas públicas e privadas, sem que isso seja citado na imprensa quando nos informam da sua prisão. As manifestações que Jordi Cuixat e Jordi Sánchez lideraram não provocaram nem mortos nem feridos e os danos materiais limitaram-se a três carros da polícia.

Sistema Judicial
Semelhanças:
Em ambos os países o Procurador Geral e tribunais supremos são eleitos com critérios políticos. No caso do Procurador Geral elegem-no os governos. É evidente, portanto, que são correias de transmissão do governo e a sua missão é perseguir, em nome do Estado, o que se considera delito. Daí que, se o governo considera delito determinadas actuações, é lógico que o Procurador inicie o procedimento penal e determine a sansão, inclusivamente a prisão. Por isso, o Procurador Geral da Venezuela perseguia e solicitava a prisão para os opositores que entendia terem cometido algum delito e o Procurador espanhol fazia o mesmo contra os políticos ou líderes catalães.
Diferenças:
Todavia, a maioria dos meios de comunicação espanhóis não deixava de insistir em que a justiça venezuelana não era independente e que o governo assumia o controle da Procuradoria, como se em Espanha fosse diferente. Difundiram-se imagens do Procurador do caso Leopoldo López saindo da Venezuela para se instalar nos Estados Unidos e acusar o governo de tê-lo pressionado. Não deixava de ser a versão e a interpretação de uma só pessoa, sem mais provas, e, inclusivamente, tornava-se ilógico ter aceitado as pressões durante o processo e, só depois da sentença, sair do país para denunciar isso, quando teria bastado demitir-se do cargo e não aceitar fazer parte da situação. Em contrapartida, em Espanha, o Procurador Geral do Estado foi censurado pela maioria dos deputados do Parlamento espanhol. PSOE, Unidos Podemos, Ciudadanos, PNV, ERC e parte do Grupo Misto apoiaram uma moção que pedia a demissão do Procurador Geral pela sua parcialidade e “por incumprimento grave e reiterado das suas funções”.

Vejo-me na necessidade de esclarecer que não estou a tomar partido sobre a questão catalã, que não é objecto desta análise, e só me limito a expor duas situações e comprovar que, efectivamente, as comparações podem ser odiosas. Mas clarificadoras.


* Jornalista

O original deste texto está aqui

sábado, 7 de outubro de 2017


Brancos, ricos e perigosos

                                                              Por António Santos





Em jargão policial estado-unidense, «não há nada que permita ligar este tiroteio ao terrorismo» quer apenas dizer «não há provas de que o atirador fosse muçulmano». Arrumações casuísticas à parte, o ataque indiscriminado que este domingo fez 59 mortos e cinco centenas de feridos num concerto em Las Vegas entra para a tétrica contabilidade dos tiroteios americanos como um dos mais mortíferos da história moderna dos EUA, somente atrás do massacre de nativos em Wounded Knee (quase 300 mortos) e da repressão dos mineiros em greve de Blair (cerca de 100 mortos).
E, estranhamente, o que nesta chacina inspira terror é justamente o que, para a Casa Branca, exclui a classificação de terrorismo: a inquietante possibilidade de Stephen Paddock, um discreto milionário de 64 anos, ter acordado um dia e decidido fazer chover milhares de balas sobre uma multidão de desconhecidos. Só porque sim. Como James Holmes, o brilhante estudante de neurociências, numa sala de cinema, ou Adam Lanza, o tímido jovem de um subúrbio rico, numa escola primária.
Não, não estamos a falar de um ou dois «loucos» nem de, como se lhes convencionou chamar, «lobos solitários». O Congresso dos EUA define um «tiroteio em massa» como um ataque com arma de fogo contra pelo menos quatro pessoas seleccionadas aleatoriamente. Nos EUA houve 1515 ataques deste tipo nos últimos 1735 dias. Só em 2016, foram 383 tiroteios, mais do que um por dia, contra vítimas aleatórias, fazendo mais de 15 mil mortos num só ano. No que já vai de 2017, as estatísticas não são menos sombrias: 273 tiroteios em massa, quase todos sem razão aparente e levados a cabo por «lobos solitários». A questão é que 275 «lobos solitários» são uma alcateia.
Alcateia de humanos solitários
Segundo o site de informação Mother Jones, mais de metade dos autores dos tiroteios em massa encaixa-se numa estreita cofragem demográfica: homens, brancos e com rendimentos acima da média. Deveria Trump proibir a entrada nos EUA, à guisa do que tem feito com algumas nacionalidades, das pessoas que se encaixem neste molde? É claro que não. E ainda assim, este é um elemento central para um debate urgente sobre a saúde pública, o uso e porte de armas, a decadência cultural do capitalismo e a guerra imperialista.
Nos EUA, a guerra imperialista é uma constante ininterrupta há mais de 70 anos. Todas as gerações de estado-unidenses vivos têm uma relação pessoal ou familiar com a invasão e ocupação de outros países do mundo. Vietname, Coreia, Colômbia, Iraque, Afeganistão… a lista é infinitamente traumática e faz-se ao som de bombas, tiros, gritos e choros.
O preço psicológico da participação, prolongada e massiva, da sociedade estado-unidense neste dilatado crime de guerra foi uma patologia social, como que um «stress pós-traumático em massa» cujos sintomas mais visíveis são o culto da violência e a insensibilidade perante o sofrimento alheio. Juntemos a completa ausência de cuidados de saúde mental, 89 armas por cada 100 habitantes e a mais alta taxa de homicídios da OCDE e temos um explosivo nas mãos. O rastilho é o individualismo patológico: a ideia de que são ricos todos os que trabalharam para merecê-lo ou são suficientemente inteligentes e que, do outro lado do espelho, os pobres merecem o desprezo dos ricos e o ódio de si próprios. Quem atomiza uma sociedade, desligando o indivíduo do colectivo, faz do ser humano um «lobo solitário». E de um país uma alcateia inteira.

Este artigo foi publicado aqui


sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Sabe-se que Trump ganhou as eleições com menos 3 milhões de votos que a sua adversária e que já antes, Bush filho havia chegado à presidência através de fraude eleitoral.
Sabe-se que os candidatos finais às eleições americanas só o são se financiados pelos milhões e milhões de dólares da indústria do armamento, por exemplo.
Sabe-se menos, ou é de todo desconhecido, o que o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Venezuela denunciou, perante a Assembleia Geral da ONU, em resposta às ameaças de intervenção militar e sanções ao seu país, e a muitos outros, feitas ilegalmente por Trump, violando a Carta das Nações Unidas.



Vídeo a partir do minuto 7:

Os EUA são o principal violador dos Direitos Humanos, não só no próprio país mas em todo o mundo:

- guerras injustificadas;
- bombardeamentos sobre população civil;
- prisões clandestinas com aplicação de métodos de tortura;
- imposição de medidas unilaterais e ilegais contra economias de vários países;
- único país que utilizou armas nucleares contra outro povo;
- liderou a invasão do Iraque em 2003, vulnerando a Carta das ONU, sob mentiras, provocando 1 milhão de mortos;
- não ratificou 62% dos principais tratados sobre Direitos Humanos;
- não existem, nos EUA, instituições independentes para a defesa e promoção dos Direitos Humanos;
- relatório da ONU sobre execuções extrajudiciais e arbitrárias denuncia falta de independência do poder judicial;
- confinamento solitário é prática estendida;
- 3,5 milhões de estado-unidenses não têm casa, dos quais 1,5 são crianças;
- 28% dos pobres não têm qualquer protecção na doença;
- taxa de mortalidade materna aumentou vertiginosamente nos últimos anos;
- 10 mil crianças estão detidas em prisões para adultos;
- as crianças podem ser condenadas a prisão prepétua. 70% destas crianças são afro-americanas;
- o relatório especial da ONU para a Educação denunciou o uso de descargas eléctricas como meio físico de coerção em centros educativos;
- EUA é um dos 7 países que não ratificaram a Convenção para a Eliminação e Discriminação contra a Mulher;
- a licença remunerada por maternidade não é obrigatória;
- mais de 10 milhões de afro-americanos vivem na pobreza e metade deles em situação de miséria;
- a 13ª Emenda admite a escravatura como modalidade de condenação penal






quinta-feira, 28 de setembro de 2017

quarta-feira, 20 de setembro de 2017


Os eurodeputados da Esquerda Unida Europeia organizou uma exposição de desenhos para comemorar os 60 anos da UE.
Das 28 caricaturas seleccionadas, o Parlamento Europeu censurou 12. Estas são algumas delas:








domingo, 10 de setembro de 2017

Liberdade de Expressão
II

Os principais canais de televisão portugueses oferecem-nos, no chamado horário nobre, imediatamente a seguir ao telejornal das 20 horas, os comentários de Morais Sarmento, Marques Mendes e José Miguel Júdice, respectivamente na RTP1, SIC e TVI.
Sabe-se que o primeiro é dirigente do PSD/PP, foi Ministro duas vezes, uma delas com a tutela da RTP; que o segundo é Conselheiro de Estado, foi deputado, duas vezes Secretário de Estado, duas vezes Ministro e dirigente do PSD/PP e que o último foi dirigente do PSD.
Menos gente conhece as ligações directas destes indivíduos a grupos económicos e financeiros e o papel que têm desempenhado no roubo ao Estado, através das privatizações das empresas que mais lucro davam ao país, das comissões pagas pelo seu “trabalho” de intermediários nestes negócios ou em contratos por ajuste directo com o Estado.
Eis exemplos, alguns retirados do livro de Gustavo Sampaio, Os Facilitadores, 2014:



Morais Sarmento é sócio, desde 2000, da sociedade de advogados A. M. Pereira, Sáragga Leal, Oliveira Martins, Júdice e Associados – PLMJ.
Em 2004, Durão Barroso designa-o para gerir politicamente a privatização da Galp Energia, ao mesmo tempo que a PLMJ assessorava juridicamente o governo nesta privatização, recebendo 1 milhão de euros por cada duas semanas de serviços prestados. Um ano depois do “trabalho” feito, Morais Sarmento volta ao seu lugar na PLMJ.
Enquanto Ministro com a tutela da RTP (2004) defendeu ser necessário “haver limites à independência” da RTP.


Marques Mendes foi presidente da assembleia-geral da Sartorial (Sociedade Financeira de Corretagem, cuja licença foi revogada pelo Banco de Portugal, em 2015). Em 20 / 1 / 2014, o Jornal de Notícias informava que “O Fisco detectou vendas ilegais de acções da Isohidra feitas por Marques Mendes, em 2010 e 2011, e que terão lesado o Estado em 773 mil euros”. Interrogado pelo jornal, Marques Mendes declarou “falta de memória sobre o assunto”.
De 2007 a 2011 foi administrador executivo da Nutroton Energias. Em 19/11/2010 esta empresa obtém um contrato por ajuste directo com a GNR, por 4.465,25 euros e com a Administração Regional do Centro, por 12.300 euros. Em Janeiro de 2010 a Nutroton Energias comprou 50% da Floponor, que até nunca havia tido contratos com o Estado. A partir desta altura, celebrou 18 contratos por ajuste directo no valor de 11.966.572,73 euros.



José Miguel Júdice foi membro do MDLP, organização terrorista que, no “verão quente” de 1975, atacou à bomba centros de partidos de esquerda e sindicatos, provocando mortos e feridos (Ver o livro de Miguel Carvalho, Quando Portugal Ardeu, 2017).
É membro do Conselho Estratégico do Banco Finantia, SA e sócio fundador da PLMJ, a mesma sociedade de advogados de Morais Sarmento, que esteve envolvida na assessoria jurídica de todas as mais importantes operações de fusão e privatização que aconteceram em Portugal (Zon Optimus, BPN, EDP, REN, CTT, Caixa Seguros). Esta sociedade tem como clientes algumas instituições públicas, como a Partpública, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a Autoridade Nacional de Comunicação (ANACOM), por ex., mas sobretudo clientes privados – Galp Energia, Grupo Américo Amorin, Jerónimo Martins, Volkswagen Bank, Zon Multimédia, Finibanco, Deutsche Bank, BCP, Banco BIC português, Crédit Suisse, etc, etc.

Na verdade, há liberdade de expressão em Portugal – a deles.



O texto que se segue foi publicado, neste blogue, em 10 / 7 / 2014. Tudo o que aqui é dito continua a ser verdade e a pergunta que se impõe é: Será isto uma democracia? 


DOS RATOS E NENHUM HOMEM

O movimento Occupy Wall Street generalizou a ideia de que há 1% de indivíduos que vive à custa dos restantes 99%.
É verdade que esse 1% detém, obscenamente, a maior parte da riqueza de um país. No entanto, para que isto aconteça, é necessário que haja um conjunto de capatazes que, a troco de salários milionários, zelem pela fortuna dos patrões.

São uns 9% da população, os que exercem esta função, quer directamente nas administrações, quer em universidades, meios de comunicação ou partidos políticos, onde reproduzem e difundem a ideologia que convém ao 1% dominante.
Temos, assim, 10%, que, na maioria dos países da OCDE, acumula mais de 50% do capital. 

Em Portugal, caso extremo desta desigualdade, 32 famílias detêm o equivalente a 11% do PIB, se se considerar apenas o valor das acções, e 150 declaram, em IRS, mais de 1 milhão de euros por ano. Segundo dados do banco suíço UBS, que englobam todas as formas de rendimento, são 817 as pessoas cuja fortuna ultrapassa os 22,4 milhões de euros, num total de 75 mil milhões, correspondendo a metade do PIB nacional ou ao resgate financeiro da Troika. Este mesmo banco registou, em 2013 (ano de grande empobrecimento da maioria da população), mais 85 indivíduos que passaram a pertencer àquele grupo, assim como o aumento das fortunas já existentes.
Estes correspondem ao 1%. Têm nomes e apelidos, alguns sobejamente conhecidos, como Soares dos Santos, que, descaradamente, não paga quase um cêntimo de impostos em Portugal, ou Pinto Balsemão, o patrão dos meios de comunicação que divulgam as mentiras formatadoras da opinião pública. A lista completa, respectivas fortunas e empresas de que são accionistas podem ser consultadas na obra de Francisco Louçã, João Teixeira Lopes e Jorge Costa, OS BURGUESES, Bertrand Ed, 2014, de onde retirei a maior parte da informação apresentada neste artigo. O estudo de Eugénio Rosa OS GRUPOS ECONÓMICOS E O DESENVOLVIMENTO EM PORTUGAL NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO, Lisboa, 2013, que os autores anteriores citam, tem, igualmente, enorme interesse para perceber como aquelas fortunas foram perpetuadas, umas, e conseguidas, outras, com os diferentes governos constitucionais da chamada democracia, que sempre estiveram ao seu serviço e apenas ao seu serviço.

E é aqui que se encontra o verdadeiro problema - no governo e aparelho de Estado ao mais alto nível -, onde encontramos uma boa parte dos tais 9%, que decidem das políticas a adoptar, invariavelmente a favor daqueles a quem servem – o 1% que lhes paga bem, para que lhes defendam os interesses, contra a maioria do país.
Vale a pena dar alguns dados para se ver melhor como funciona esta promiscuidade entre os políticos, que se erigiram em casta, e o grande capital.

Entre 776 ministros e secretários de Estado (296 do PSD, 295 do PS, 54 do CDS), dos governos constitucionais que já tivemos, 90% passaram, logo a seguir, para as grandes empresas, sobretudo como administradores:
- 170 para os grandes grupos empresariais;

- 100 para o BCP, EDP e PT:
- 140 para as empresas do PSI20 (as 20 maiores empresas, cotadas em Bolsa)

- 107 para as empresas com contratos de Parceria Público-Privada (PPP). Aqui é de realçar dois casos dos mais escandalosos: Joaquim Ferreira do Amaral (PSD), responsável, enquanto ministro, pela PPP com a Lusoponte (ponte Vasco da Gama), veio a presidir este consórcio. Sérgio Monteiro, actual secretário de Estado, escolhido por Passos Coelho para, além de destruir o serviço de transportes públicos e privatizar os que dão lucro, ser o responsável da negociação das PPP’s, de que foi co-autor como representante da Caixa Geral de Depósitos.
- 7 em 18 ministros das Obras Públicas ou Equipamento Social foram, depois, para empresas destes sectores. Os outros seguiram diferentes vias, como António Mexia (PSD) para a EDP ou Mário Lino (PS) para a presidência do Conselho Fiscal dos Seguros da CGD. Um caso ilucidativo é o de Jorge Coelho, antes, funcionário da Carris e, depois, com o que aprendeu em construção civil no governo de Guterres, passou para a Mota-Engil.

- 14 ministros das Finanças, dos 18 governos constitucionais, prosseguiram ou fizeram carreira na banca privada ou em instituições financeiras (7 em 8 do PSD, 5 em 7 do PS, 1 em 2 do CDS). Do governo de Passos Coelho, temos já Vítor Gaspar no FMI. O ministro das Finanças do 1º governo constitucional, Medina Carreira, o impoluto, foi quem inaugurou a dança, entrando para o Crédito Predial Português e Banco Português de Gestão.
Há, certamente, a lastimar alguns secretários de Estado, pois apenas 43% deles tiveram oportunidade de entrar para os grandes grupos, empresas do PSI20 ou com PPP’s, contra 61% dos ministros. Sempre é melhor ser ministro!

E, para muitos, a passagem pelo governo foi o início de uma bela e lucrativa carreira, que, diga-se, havia sido construída, com muito suor, nas fileiras dos respectivos partidos. Assim, temos:
- 187, 1 em cada 4 indivíduos que passaram pelo governo, ganharam, pela primeira vez na vida, o título de administrador ou de empresário.

Um dos tirocínios por que estes videirinhos passam é o de deputado da Assembleia da República. Veja-se o caso mais recente de Mota Pinto, do PSD, transferido directamente para o Banco Espírito Santo. E, no Parlamento, o conflito de interesses, eufemismo de máfia, ultrapassa o que um mínimo de decência exigiria. Segundo dados de 2013:
- 49 deputados (PS, PSD, CDS) estão em órgãos sociais de empresas e 70 detêm participações de capital.

- 4 são elementos da Comissão de Saúde e, ao mesmo tempo, são parte interessada neste sector, como administradores de empresas de análises clínicas e de diagnóstico, directores e gerentes de empresas médicas, administradores de empresas com contratos de PPP com hospitais públicos ou consultores de uma empresa detida a 49,7% pela Associação Nacional de Farmácias. (Não é de estranhar que um destes fulanos, um tal Menezes, filho do pai, cuspa peçonha quando confrontado).
Não é de admirar, também, que Teresa Anjinho (CDS) e Sérgio Azevedo (PSD), accionistas de várias empresas, tenham sido os porta-vozes da maioria parlamentar no chumbo à proposta destas incompatibilidades. 

Apenas mais dois casos exemplificativos de como estamos a ser governados por uma máfia, agora mais evidente que nunca:
- Adolfo Mesquita Nunes, antes de entrar para o governo, integrava a comissão parlamentar a monitorizar o programa da Troika que, como todos sabemos, exige a privatização das empresas património do Estado, como a EDP ou a REN. Pois este indivíduo era consultor do escritório de advogados que, com honorários elevadíssimos, pagos por todos nós, assessorou a passagem daquelas empresas para mãos privadas.

- Eis um nome de que se tem falado mais, nestes últimos dias – João Moreira Rato, indigitado para a “nova” administração do BES, a fim de tentar disfarçar o roubo cometido no grupo Espírito Santo. Nomeado por Vítor Gaspar para a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, decidiu, na última semana, vender dívida pública em dólares (em vez de euros), o que tornará mais difícil, num futuro, qualquer renegociação dessa dívida. Este Rato, conselheiro privilegiado do Coelho, tem um currículo assinalável: depois de uma graduação em Finanças no berço dos Chicago Boys, a universidade de Chicago de Milton Friedman (o pai do ultraliberalismo e conselheiro de Pinochet), foi director executivo da Morgan Stanley, com a responsabilidade de soluções de mercado para a Península Ibérica, sem desgostar, certamente, o patrão. Ganhou experiência, depois, na área dos produtos financeiros “derivados” (mais conhecidos como tóxicos), no Lehman Brothers, o tal que despoletou a crise financeira a nível mundial, e no Goldman Sachs, o principal causador da crise grega, que continua a colocar os seus funcionários nos postos chave, como o de presidente do Banco Central Europeu. Por fim, este Rato, já bem conhecedor dos meandros da especulação, abre, em Portugal, aNau Capital, uma gestora de hedge funds (fundos de investimento especulativos sobre divisas, matérias-primas, etc., nada regulamentados e normalmente sedeados em paraísos fiscais) em parceria com... o grupo Espírito Santo.
Estamos, assim, a sofrer os crimes de uma máfia, composta por um grupo de padrinhos (1%), acolitado por 9% de esganados, capazes de destruir a vida de milhões de pessoas e vender ao desbarato um país inteiro.

Talvez, um dia...